Jun - a biografia em quadrinhos do músico autista sulcoreano

 


Jun Choi é um compositor da Coréia do Sul que nasceu com Transtorno do Espectro Autista (TEA), uma condição ainda pouco conhecida pela sociedade em geral e que por isso acaba proporcionando diversas situações em que o preconceito fala muito alto. Essa obra traz detalhes da vida do músico com parte da sua trajetória até desenvolver o seu talento que atualmente garante a admiração de inúmeros fãs. Isso foi transformado em quadrinhos por Keum Sim Gendry-Kim, mesma autora de Grama. A Editora Pipoca e Nanquim publicou em abril de 2022 o manhwa (palavra que designa quadrinho em coreano) da HankKyoreh Publishing Company. 

O autismo é um transtorno cujo diagnóstico é complicado por não ter elementos tão visíveis durante a primeira infância (os três primeiros anos), muitas famílias só vão perceber quando a criança demora pra iniciar a falar ou quando demonstra um comportamento social muito atípico. Isso foi exatamente o que ocorreu com Jun, porém mesmo após o diagnóstico e um acompanhamento especializado, os seus problemas não minimizaram. 

Quem narra essa história é a sua irmã mais nova chamada Yun-Seon e, na narrativa, todo o mundo do protagonista é comprendido aos olhos dela. A autora Keum Sim Gendry-Kim evita inserir uma grande carga dramática nos seus argumentos e em vários momentos a obra vai apenas narrando uma sucessão de fatos. Contudo é inegável que há momentos emocionantes seja pela admiração ou pelo indignação quando acompanhamos as diversas situações da sua vida principalmente quando a família precisa lidar com outras pessoas. O fato da autora evitar a romantização da narrativa tem o aspecto positivo em não passar a ideia de que a pessoa com deficiência é uma "coitadinha" cuja vida é sempre dramática. 

O quadrinho traz elementos bem presentes em histórias de crianças com autismo como o receio das escolas em recebê-las ainda que na Coréia do Sul seja permitido que a mãe fique em sala de aula como auxiliar da professora. Além disso é possível ver a maneira como uma pessoa com TEA acaba afetando individualmente cada membro da família. A narradora Yun por diversas vezes reclama do peso em ter que ser responsável pelo irmão mesmo sendo mais nova que ele, ela demonstra sentir falta de ter atenção dos pais que há todo o momento estão preocupados com Jun e não com ela. A capa em que ela acaba ficando mais ao fundo com um semblante meio incomodado exemplifica bem. Ainda assim, ela acaba sendo a pessoa que mais compreende as potencialidades do irmão. A mãe deles acaba sendo um caso claro de codependência, uma pessoa que indiretamente impede o desenvolvimento do filho com deficiência para manter por mais tempo o seu papel de cuidadora, uma identidade que retira da pessoa a percepção que existem outros papéis na vida a desempenhar (como amante, profissional, amiga ...), a obra mostra momentos polêmicos de como a preocupação dela com a vida social do garoto a induz a dar péssimas orientações a ele. 

O quadrinho não se destaca pelo traço da autora que preferiu utilizar personagens com um traço simples mas que consegue passar na leitura os elementos necessários para compreendê-los dentre a diversidade das suas emoções. Ela traz nas onomatopéias algumas sutilezas como incluir desde o início notas musicais, uma forma de mostrar como se dava a conexão do protagonista com o mundo já que era a diversidade de sons que sempre o fascinação. É interessante vê nele as esterotipias, que são movimentos repetitivos presentes em várias pessoas com TEA, além do óbvio hiperfoco em sons que faz com que ele passe a utilizar mais intensamente da fala e o leva a aprender a tocar instrumentos e a compor. É preciso ressaltar que é visível que o traço da autora tem mais a ver com o seu estilo do que com o seu talento, já que há momentos em que ela detalha a ambientação com muitos detalhes formando uma linda composição do cenário, eu destaco as páginas que representa o pesadelo de Jun. 

O que mais me chamou a atenção na edição brasileira além do óbvio que é a beleza da capa e a encadernação, está na tradução de Yun Jung Im que traz várias notas necessárias para possibilitar que o leitor brasileiro tenha uma imersão melhor nessa cultura tão distante. A edição permite que a gente conheça detalhes da cultura sem precisa adaptar os termos para algo presente na nossa e que não tem referência alguma com o original. 

Jun é uma ótima biografia, ainda que os argumentos não emocionem tanto, há alguns momentos que nos permitem refletir sobre a condição do personagem a ponto da gente aproximar-se melhor daquela família mesmo para quem não tem contado com pessoas com TEA no dia-a-dia. É essa empatia que possibilita que a gente possa conviver com pessoas com os mais variados tipos de deficiência e que a gente sabe tão pouco. O autismo não é um transtorno que afeta a todos da mesma forma. A maneira como Jun se comporta é única e vários outros autistas vão se comportar de maneiras bem diferentes, seja na maneira com que eles interagem com as pessoas ou em como demonstra a sua inteligência. Por isso é possível encontrar autistas com um alto retardo mental como outros com uma inteligência tão desenvolvida a ponto de alcançar um alto desempenho acadêmico. A leitura de Yun deve ser vista como uma interessante introdução de como compreender pessoas com TEA que instiga a buscar por mais detalhes em outras fontes. 

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Ficha técnica: 
• Formato 15,5×22 cm
• 260 páginas em preto e branco
• Capa dura com verniz localizado
• Sobrecapa macia ao toque e com verniz localizado
• Lombada redonda e fitilho de tecido
• Miolo em papel offset 90 g/m²


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