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Nos anos 90, o Hulk possuía o corpo do monstro e supostamente a mente de Bruce Banner numa fase em que posteriormente ficou conhecida como Doutor Hulk. O Gigante Esmeralda é convencido a ir a cem anos para o futuro para destituir o ditador superpoderoso de uma distopia em que a humanidade se dizimou juntamente com os heróis da época, apenas uma cidade restou e sob seu comando, o ser conhecido como Maestro, que trata os seus habitantes como seus escravos. Essa história foi publicada pela primeira vez em uma mini-série em duas partes pela Editora Abril em novembro de 1996 e cuja republicação mais recente foi em edição única em formato de luxo ou formato Kindle em novembro de 2020.
Com a perda de praticamente todos que amava, a soberba foi se apossando do corpo de Hulk e ele passou a se ver como um ser de intelecto e força superior e impor que os humanos sobreviventes fossem seus súditos. Ele passou a se nomear como Maestro e acreditar que isso era o preço que eles deveriam pagar para protegê-los e para desenvolver tecnologia para a sua sobrevivência. A partir daí, o Maestro não tinha nenhum pudor pela vida humana, a ponto de ele não se importar em matar ou abusar de quem quisesse. Nesse mundo, Hulk pode olhar num espelho que refletia o futuro e perceber o que ele poderia se tornar.
Peter David faz um roteiro que traz alusão ao livro 1984 de George Orwell quando mostra que o Maestro tinha um exército que observava seus cidadãos por todos os lados. Contudo o que é mais atraente nessa história é o embate de duas mentes brilhantes que precisa antever e ludibriar o outro. Por ser uma mini-série, a violência é bem mais acentuada do que costumava-se ver nos quadrinhos mensais do Hulk. O roteiro busca centrar-se bem mais na diversão e por isso não possui um argumento aprofundado sobre os acontecimentos.
O traço é de George Pérez que aproveita pra trazer quadros enormes cheio de personagens com muitas situações ocorrendo simultaneamente, daqueles que é preciso percorrer com vagar pra perceber os detalhes daquele mundo futurista e a referência ao livro 1984. O desenhista faz questão de detalhar cada personagem não só aqueles que deveriam ser destacado na narrativa. As páginas são lindas e impactantes em especial quando mostra o que sobrou dos heróis que foram mortos. Péres cria personagens bem expressivos e complementa a narrativa ao expressar bem as sensações dos personagens mesmo quando não é dito nos balões ou recordatórios.
Quando essa mini-série foi publicada pela primeira vez, essa versão do Hulk era o minha preferida, por ser um misto de força e inteligência que sabia travar bem conflitos morais. Como um ser com tantas qualidades se torna um vilão tão cruel? Retirados os exageros da metáfora, é possível perceber que, com o passar dos anos, a gente vai descobrindo pessoas que admiramos tornarem-se figuras que nos traz uma grande decepção e a gente se pergunta "como alguém tão inteligente é capaz de atitudes tão vis?". O fato é que pessoas inteligentes podem se convencer dessa qualidade e por isso achar que as suas atitudes apenas ajudam pessoas e por vezes sejam mal interpretadas pela sociedade. Esse tipo de ideia persiste mesmo quando elas estão provocando atrocidades. A psicanálise cita um mecanismo de defesa chamado racionalização, pessoas são capazes de justificar a sua atitude neurótica com uma retórica espetacular e acaba sendo convivente e se convencendo de que aquilo é racional. Por isso, muitas vezes essas pessoas se recusam a fazer psicoterapia e quando fazem possuem dificuldade em perceber as suas contradições, muitas delas se acham mais espertas do que o terapeuta e por isso acreditam que aquela sua atitude neurótica é justificável. Imagine essa situação se ampliando ao passar dos anos e em algum momento aquela figura admirável, cega pela sua neurose, se transforma num ser com atitudes desprezíveis que ele as nega ou realmente não as enxerga. Para cada atitude, uma justificativa, tipo quando o Maestro se apossa do pouco alimento de quem mora naquela distopia e justifica: "estou desenvolvendo uma tecnologia que vai permitir ampliar a agricultura deles". Quando a gente entende essas comparações, a gente vê que no mundo real é preciso ter cuidado com quem a admiramos e saber que não precisamos se apegar continuamente a ele.
Hulk Futuro Imperfeito é um excelente quadrinho que estabelece um motivo para que essa versão do Hulk fosse desconstruída com a continuidade da fase do Peter David, isso ocorre através de uma versão aterradora do que o personagem poderia se tornar. A obra é divertida mas não se propõe a ser inovadora o suficiente para ser considerada um clássico, ainda que seja uma das histórias de destaque do personagem, por marcar a qualidade de roteiro e traço de dois grandes artistas de super-heróis.
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