Essa obra é inspirada na vida da roteirista francesa Julie Dachez, mulher com autismo que de tanto sofrer pela incompreensão dessa condição, resolveu escrever um blog comentando sobre a sua vida. Fabienne Vaslet, leu esse material e convidou-a a pensar juntas uma história em quadrinhos que adaptasse aquilo.
O autismo em mulheres tem uma incidência bem menor que nos homens, parte disso se deve ao fato das mulheres, com o passar do anos, procurarem disfarçar o seu comportamento para parecer o máximo possível com o de uma pessoa típica. Isso é mostrado muito bem nessa obra que se divide em antes e depois do diagnóstico. Nas duas situações, o que não muda é a maneira como a protagonista precisa lidar com a ignorância das pessoas. Se antes há toda uma insistência para que Marguerite se relacione igual aos demais, após o diagnóstico há o deboche sobre a existência do diagnóstico e a sugestão insistente em procurar maneiras para "curá-la".
Dachez transmite no seu roteiro uma maneira direta e tocante sobre como é viver a vida nessa condição. Longe de ela querer conquistar o leitor pelo drama excessivo, ela prefere mostrar tudo aquilo que atinge simultaneamente os seus sentidos que são muito sensíveis a estímulos bem específicos.
O que me encantou particularmente na obra foram os traços de Mademoiselle Caroline. Além de ser um estilo que transmite muito na sua simplicidade, ele é de uma beleza inegável. A desenhista francesa conseguiu ser bem sucedida no desafio que é demonstrar como é ser uma autista em ambientes com estímulos por todos os lados. Um dos recursos que ela utiliza são as cores. A obra inicialmente é predominantemente preto e branco com um amarelo ou vermelho aparecendo em locais muito específicos. Ela utiliza isso pra mostrar o quanto, barulhos de máquinas, conversas aleatórias e luzes a atingem e a gente percebe o esforço que deve ser necessário para aparentar tranquilidade com todo esse incômodo. As cores inclusive, exercem um significado diferente antes e após o seu diagnóstico.
Um outro momento em que eu fiquei bem tocado foi na busca da protagonista por um tratamento com psicólogo clínico. O fato é que a graduação em psicologia se volta com mais intensidade nas teorias que explicam a formação da personalidade típica e ao final do curso são visto técnicas de como lidar com pessoas na clínica. Os exemplos de adoecimento comumente citados está entre depressão, ansiedade ou algum sofrimento existencial. O curso trata de demais transtornos mentais ou condições atípicas de comportamento mas com um tempo de aprofundamento que muitas vezes é insuficiente. Por isso, o ideal é que pessoas autistas ou seus familiares, se for possível, busquem por profissionais com experiência comprovada ou que foram indicados por outros pacientes. A obra mostra que em um momento a personagem busca indicações num grupo de pessoas autistas, que é o mais recomendado.
Quando o diagnóstico é feito por psicólogos, o ideal é quando esse profissional utiliza uma bateria de testes além de um questionário cheio de perguntas abertas que permitem que o paciente exponha em detalhes a sua vivência pessoal. É bem verdade que isso necessariamente amplia o custo desse diagnóstico. Porém se não for possível algo tão minucioso, fique em dúvidas quando o profissional utilize muitas perguntas diretas (aquelas cujas resposta é um sim ou não). Isso leva ao risco de péssimos profissionais não levar em consideração o diagnóstico diferencial, que é quando o profissional de saúde mental avalia se o que está sendo dito se enquadra realmente naquela condição ou se é apenas um sofrimento que faz parte do cotidiano. Por exemplo, uma vez eu vi uma palestra de uma pessoa que se apresenta como especialista e afirmava que, se uma pessoa gosta de fazer amizade com pessoas introvertidas e se tem um paladar seletivo então ela seria autista. Essa "profissional" esquece que é bem comum, após uma determinada idade, pessoas preferirem se sentir mais a vontade com pessoas discretas, além disso, paladar seletivo não é algo exclusivo de autista mas de pessoas que conhecem aquilo que gosta. A característica do paladar seletivo da pessoa com autismo costuma se diferenciar das demais pela sua intensidade, o que uma pessoa nessa condição poderia descrever melhor. No Brasil há casos de pessoas com diagnóstico errado mas isso não justifica argumentar que o autismo é algo inexistente fruto de um "capricho". Quando o diagnóstico é bem feito, contribui para ajudar tanto a pessoa com essa condição quanto as demais que vivem em seu entorno.
A Diferença Invisível é uma excelente obra que mostra de uma maneira clara o sofrimento que é viver em uma sociedade ignorante sobre autismo e que não aceita que pessoas possam ter a sua vida sem tanta relações sociais desnecessárias. A obra consegue mostrar visualmente como a pessoa autista sente o cotidiano e possibilita tanto ajudar quem ainda não se descobriu nessa condição como pode ser útil para as demais pessoas entendem melhor sobre esse fenômeno a ponto de identificar e abandonar os seus preconceitos.
Ficha técnica:
Publicado em: junho de 2017
Número de páginas: 196
Formato: (17 x 24,5 cm)
Preto e branco/Lombada quadrada
Preço de capa: R$ 44,90
Formato: (17 x 24,5 cm)
Preto e branco/Lombada quadrada
Preço de capa: R$ 44,90
Leia também da Editora Nemo:
Comentários
Postar um comentário