Mangá artesanal é um crime impresso


Imagem de mangás artesanais vendidos numa grande plataforma online

A gibisfera ficou estarrecida na noite de ontem (21 de abril) com o fato do canal Fora do Plástico trazer a notícia de que uma nova Editora iria estrear com um quadrinho que ela não possuía os direitos de publicação. Em todo o dia de hoje, esse foi o principal assunto entre os leitores. Contudo o que ainda pouco se comenta que isso é apenas a ponta de um iceberg, já que há algum tempo que se vende na internet os chamados "mangás artesanais", quadrinhos japoneses que foram pegos em sites piratas, impressos e vendidos online para quem quiser comprar. Isso mostra o quanto há desinformação sobre direitos autorais e sobre o consumo de mangás no Brasil. 

Durante a Semana Santa eu descobri pela primeira vez o termo "quadrinho artesanal" por uma adolescente de 11 anos. Daí eu fui logo pra minha conta do Bluesky comentar essa que para mim até então era uma novidade (clique aqui)  Vi pelo Google que digitar esse termo abre inúmeras páginas de comprar desse material e até vídeo ensinando como fazer o seu próprio quadrinho roubado! Sim amigos, qualquer produção artística pertence a alguém, seja o seu criador ou a empresa que licencia as suas publicações. O brasileiro está tão acostumado a baixar coisas na internet que não consegue entender algo que deveria ser óbvio. Assim com os sites de scan (sites onde é possível baixar hqs prateadas) há décadas disponíveis, seria muito simples alguém simplesmente imprimir aquele material e montar ilegalmente o seu próprio quadrinho. Isso já é ilegal para consumo pessoal e passa a ter maior gravidade quando alguém lucra com isso. 

Acredite um número significativo de pessoas estão fazendo isso e ganhando dinheiro. O desconhecimento sobre legalidade é tamanho que eles inserem na divulgação que os quadrinhos não são licenciados, parece que algumas pessoas não perceberam que estão cometendo um crime comercializando aquilo. Quer dizer, eles realmente não enganam ninguém, contudo isso não faz com que essa atitude seja menos ilegal por causa disso. Em entrevista para o Fora do Plástico, o editor do polêmico quadrinho do início do texto afirma que tentou entrar em contato com a Editora japonesa e que um suposto representante cobrou dele valores altos e se negou a negociar o quadrinho. Isso é algo bem comum já que essas Editoras vendem seus produtos para diversos países e exigem que o licenciante (a pessoa jurídica que vai produzir os quadrinhos naquele país) além de ter experiência, precisa seguir os critérios que os japoneses estabelecem e claro pagar o valor para adquirir a permissão para a produção. 

Algumas buscas do Google ao digitar "mangá artesanal"

Quem acompanha o meio Editorial sabe disso muito melhor que eu mas os mangás são uma mídia tão popular que atinge vários leitores que não tem ideia de toda essa burocracia necessária. Isso porque o artista merece receber por aquilo que ele criou, a Editora para quem o artista trabalha também deve receber e certamente não vai querer ver o seu material em qualquer papel de pão. A hq traz uma marca da Editora brasileira e também da japonesa. Se for feito uma porcaria, a imagem de ambas estará associada aquilo. 

A já mencionada popularidade dos mangás faz com que seja impossível que as Editoras brasileiras produzam tudo aquilo que o seu público demanda. Por isso os sites de scan irão ser a única alternativa, ainda que o material seja traduzido de qualquer jeito e tenha uma balonação (texto escrito nos balões e recordatórios) ridícula. O que interessa a esse público é a leitura, seja como for. Uma outra característica é que o mangá artesanal tem um preço normalizado pela sua clientela, está em torno dos 40 reais muitos deles e estão disponíveis em diversas plataformas que não se importam com o que a pessoa ou a empresa está vendendo lá. 

Esse texto tem a intenção primeira de informar o que são quadrinhos artesanais mas não tem pretenção de gerar um movimento para acabar com isso. Eu também não acho que isso será um motivo para os japoneses pararem de licenciar ou sequer dificultar seus quadrinhos por aqui. Acredite isso mostra que com ou sem licenciamento, eles serão lidos e parte deles serão vendidos. Por isso é muito mais simples para os japoneses terem algum lucro com a venda legal das Editoras que já vem fazendo um excelente trabalho por aqui. 

Apesar de toda a situação ilegal dos quadrinhos piratas, existe algo positivo nisso. O fato de muitas crianças e adolescentes estarem lendo, faz com que a nona arte seja vista com menos resistência por eles. É claro que há muitos dos leitores de mangás que não irão ler outra coisa que não seja feita no Japão mas há outros leitores que estarão abertos a descobrir os quadrinhos produzidos nos mais diversos países (inclusive no Brasil), algo que será possível devido a leitura de mangás sendo ou não adquiridos de maneira legal. Caso essa quantidade enorme de crianças e jovens não estivesse dedicados a essa leitura, certamente estaria gastando o seu tempo com outras atividades fora da leitura. Portanto é preciso entender melhor sobre esse fenômeno dos mangás artesanais para evitar que a polícia não bata a sua porta por você estar vendendo ou divulgando isso (sim isso pode acontecer) mas é preciso não demonizar essa situação que pode ser útil inclusive para Editoras que podem ficar atentas ao mangás artesanais mais vendidos e licenciar para publicar por aqui. Além disso o debate é útil para que mais pessoas se interessem sobre a produção de quadrinhos e remuneração de artistas e Editoras que é o que vai possibilitar que mais histórias sejam contadas. 

Imagem retirada do Google de anúncio de uma loja online de mangá artesanal

OBS: todas as imagens ilustrativas desse texto foram obtidas ao digitar no Google "mangá artesanal".

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