Crise nas Infinitas Terras - a redenção e a maldição da DC

 


ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS

Crise nas Infinitas Terras ganhou uma adaptação para o crossover dos seriados do Arrowverso e agora parte do seu roteiro pode ser aproveitado no filme do Flash. Essa mini-série foi um fenômeno dos quadrinhos e a sua influência repercutiu décadas depois e surte algum efeito até os dias de hoje, já que a Editora das Lendas continua ainda a fazer eventos utilizando o termo "Crise". 

O gibi já inicia frenético com uma imagem apocalíptica e um ser em desespero anunciando a destruição de mais uma realidade. Pária é o nome dessa pessoa que se diz o causador dessa destruição. Pouco antes de mais uma Terra ser destruída, ele é enviado para lá para presenciar a sua destruição como uma penitência. 

Para tentar impedir a destruição de todas as realidades, um ser chamado de Monitor possui um plano que envolve heróis e vilões de diferentes Terras. Para contactar cada um deles, ele conta com a sua ajudante chamada de Precursora, essa personagem tem a habilidade de dividir-se em contrapartes e pode voar pelas realidades. 

O Monitor assim reúne grupo com seres diversos para proteger aparelhos gigantes localizados em algumas Terras. Uma ação que deveria ser executada rapidamente já que o seu antagonista, o Anti-Monitor fortalece-se a cada realidade destruída. A série mostra personagens de diversas realidades permitindo que o leitor tenha contato com grande parte do Multiverso DC, alguns deles, inclusive não apareciam há muito tempo e alguns outros que estrearam nessa série. 


A Crise foi uma saga criada para celebrar os 50 anos do Universo DC. Durante essas décadas, os seus personagens passaram por diversas transformações, só pra citar um exemplo: o Superman era um personagem que saltava e tinha poderes de acordo com que o roteirista imaginasse, com o passar dos anos, isso ficou ridículo, a editora precisava de uma definição sobre os seus personagens, não cabia mais o fato de cada autor utilizá-los aleatoriamente e incluir ou excluir livremente quaisquer características.  Além disso, a DC acabou adquirindo personagens de editoras menores e incorporou no seu universo, colocando em outras Terras Paralelas. Isso sem mencionar de personagens sem utilidade ou que não vendia. Assim, juntando o útil ao agradável, a Editora fez uma reunião para decidir exatamente o que seria mudado, todo esse planejamento levou alguns anos antes da primeira edição dessa revista chegar às bancas em meados dos anos 80. 

Nessa época eu estava começando a ler quadrinhos de heróis e pegava emprestado de um amigo. Para uma criança que não sabia o significado das palavras Ativa e Paralela (assim eram chamadas as Terras 1 e 2), ficava confuso para encaixar qual herói pertencia a qual universo. Um outro impacto que eu tive na época eram as mortes. Naquele tempo, a morte de herói era algo definitivo e não esse vai-e-vem que ocorre hoje, era uma decisão que assustava os leitores já que a expectativa era que o personagem que morria realmente não voltaria a aparecer.

Eu li essa saga em mini-série em três partes e na segunda parte ocorrem duas mortes muito dramáticas. A primeira delas foi a da Supergirl que destrói a armadura do Anti Monitor na unha e ele fica com tanta fúria que dispara um raio que atravessa a heroína. Esssa cena e o semblante do Superman vendo aquilo me toca até hoje. A outra grande morte é a do Flash (Barry Allen). Como é que a editora mata um dos seus maiores personagens? A explicação que veio como extra nesse encadernado coloca entre os motivos a queda das vendas do personagem, fruto de um arco interminável que não vingou nas vendas. Com a orientação da DC, o roteirista Marv Wolfman cria situações de sacrifício que era uma homenagem à altura a ambos. 

Se esse desenvolvimento traz algumas das cenas mais impactantes dos quadrinhos de heróis, o que se segue é um vacilo narrativo, uma interlúdio mal escrito antes de chegar ao final. Com a situação das Terras já estável, os vilões se organizam para dominar as cinco que sobraram. Contudo ficou uma situação mal trabalhada, era apenas uma desculpa para ter páginas com diversos personagens se enfrentando sem mostrar um planejamento elaborado por eles. É um momento que destoa de uma narrativa que até então estava bem construída. A série retoma a qualidade com o retorno do Anti Monitor e o seu plano de ir para o início dos tempos afim de mudar a história e impedir o surgimento dos universos. 



Eu devo confessar que mesmo após tanto tempo não tem como reler essa história e não sentir parte do deslumbramento que eu senti quando criança. Se o roteiro é bem amarrado e entrega o impacto que ele se propõe, os desenhos de George Pérez tem a mesma qualidade. Perez ficou conhecido como o artista que mais colocou heróis num único quadro num gibi. É comum desenhistas agravar o detalhamento da cena conforme a aproximação da câmera mas aqui não! O desenhista faz questão de detalhar cada herói independente do tamanho dele no quadro. Para ser ainda melhor, Peres é um artista completo: a narrativa da sua arte, o detalhadomento dos personagens, a ambientação e a expressão emocional ... Tudo isso está ali representado de forma invejável. 

Crise acabou sendo uma série tão definitiva que várias das suas modificações perduraram por quase vinte anos, a principal delas foi o fim do multiverso e, a partir dali, só havia uma única Terra. O fato é que a saga foi tão bem sucedida que essa redenção (em ajeitar a bagunça da DC) tornou-se uma maldição. Todas as vezes que a DC estava sem ideias pra um grande evento ela utilizava alguma ponta solta de Crise para "mudar tudo", foi assim com a saga Zero Hora e depois já no século XXI com a Crise Infinita até desembocar no Ponto de Ignição e o fracasso dos Novos 52, passando por Convergência e finalmente chegando ao Relógio do Juizo Final, as sagas citadas citam de algum modo acontecimentos da Crise e esse nome é utilizado pela DC em outras histórias mesmo quando o enredo não explora todo o universo mas o faz por puro apelo mercadológico. 

Se a Crise nos quadrinhos é uma salvação, o mesmo está acontecendo com a sua versão para os seriados. O evento que uniu as diversas séries da DC teve uma repercussão tão positiva que vai pegar alguns dos seus elementos para jogar no filme do Flash. O aspecto de nostalgia que tanto conquistou os leitores dos anos 80 foi transmitido no crossover dos seriados atuais da Warner. Atores de filmes e séries antigas estiveram na Crise do Arrowverso e até pessoas que não gostavam de nenhum dos seriados pararam para ver todo o crossover e reencontrar atores que interpretaram personagens de filmes ruins que conseguiam encantar crianças. Esse reencontro proporcionou a esse público, que hoje tem mais de 30 anos, a sensação nostálgica de uma idade em que a criança se encantava com qualquer coisa (inclusive com um filme como Batman e Robin). 

Crise nas Infinitas Terra é uma excelente mini-série fruto de um planejamento editorial que foi concretizada através do talento de Wolfman e Pérez. Eu confesso que eu sou suspeito em avaliar a obra porque a criança em mim continua vibrando a cada página relida. Contudo ainda que você possa discordar completamente, o fato é que Crise é um marco nos quadrinhos de super-heróis e ainda que você a considere superestimada, ela é uma obra necessária para quem pretende ter uma coleção com os quadrinhos mais importantes e que é utilizado como referência para adaptações além dos quadrinhos.


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Ficha técnica da edição definitiva lançada pela Editora Panini

Publicado em: janeiro de 2016

Número de páginas: 468
Formato: (19 x 28 cm)
Colorido/Capa dura

Preço de capa: R$ 115,00



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