Notas Sobre Gaza

 


Joe Sacco vai para a Palestina, mais precisamente para a Faixa de Gaza para investigar um massacre que ocorrera em 1956. Essa região é palco para um conflito interminável entre Palestinos e Israelenses. O poderio econômico e militar de Israel é mostrado também nos números discrepantes entre a grande maioria de pessoas mortas do lado palestino. Entretanto pelo ponto de vista ocidental, os muçulmanos representam o mal e o povo judeu aparece como o grande prejudicado. Por isso o maltês Sacco vai até o local colher o depoimento de quem lembra do que ocorreu num período em que centenas de muçulmanos morreram dentro do seu território. Esse é um quadrinho da Fantagraphics publicado pela Companhia das Letras em outubro de 2010. 

O título utiliza de ironia ao trazer o termos "notas", o autor compara a forma como vidas humanas são informações tão desprezadas quanto notas de rodapé. Por isso em vez de construir um texto apenas com números, ele preferiu contar as histórias das pessoas mortas que hoje só fazem parte de estatísticas e quando fazem! Isso porquê cada lado do conflito o registra de maneiras diferentes. A dor por cada pessoa morta faz com que cada vítima seja vítima como um mártir pela difícil luta pela sobrevivência. 

Enquanto o quadrinhista esteve por lá fazendo o seu trabalho jornalístico, ele percebeu que ali todos corriam riscos de vida assim como as pessoas mortas em 1956. Por isso, os palestinos indagavam sobre para quê saber de décadas atrás se a vida deles estava sobre ameaça naquele exato momento? 

Os depoimentos colhidos por Sacco levam-no a ilustrar várias páginas do horror províndos de mortes sem motivo aparente, de tortura e da destruição de casas com todos os pertences de famílias em ruas em bairros inteiros. É fácil pra gente aceitar um "guerra é isso mesmo!", encostar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente, contudo não é isso o que é mostrado nem nos depoimentos e nem na experiência de viver lá enquanto ele colhia os depoimentos. Na verdade, qualquer um poderia ser considerado inimigo pelos palestinos bastava ser homem ou estar próximo a um deles enquanto levava bala, por isso entrava para a conta de pessoas mortas crianças e mulheres. 

Os grupos rivais têm em comum a crença num ser superior que representa todo o bem, crença essa compartilhada pela maioria dos brasileiros onde esse quadrinho também foi lançado. A religião que deveria ser utilizada para unir pessoas têm os seus ensinamentos deturpados para motivar a destruição entre elas. Quanto maior o fanatismo, maior o ódio justificado contra os infiéis. A partir do momento que alguém demoniza o outro, o considera como um inimigo, já é o suficiente pra justificar qualquer tipo de crueldade. A partir daí não é mais exército contra exército, é todo um povo que é visto como inimigo, aí entra mulheres, crianças e idosos e qualquer atrocidade é justificável em defesa do seu deus impiedoso. Essa era há pouco tempo uma realidade que parecia ser muito distante da realidade brasileira. Porém quando conhecemos as ações entre a rivalidade de policiais, milícias e traficantes aqui, percebemos várias similaridades. Uma população que ao mesmo tempo diz acreditar em "ame ao próximo como a si mesmo", vibra quando a polícia participa de ações de chacina que fazem vítimas várias pessoas inocentes e outros com passagem pela polícia mas que visivelmente não ofereceram nenhuma resistência que justificasse a sua morte. Assim como no conflito entre judeus e palestinos, no Brasil há trocas de tiros entre policiais e traficantes porém não se pode normalizar ações em que inocentes são assassinatos ou o uso de força excessiva, porque é esse tipo de motivação que possibilita que vidas humanas sejam vistas de formas tão desprezíveis quanto um mero dado estatístico.

O quadrinho é brilhante em diversos aspectos: na coragem do autor em se colocar em situação de perigo, na forma respeitosa em que ele relata as histórias, na maneira não romantizada com que ele revela as informações já que é mostrado o assassinato também de judeus inocentes, no seu traço impactante e que permite revelar bem as emoções dos seus personagens. Como é uma obra longa, houve momentos em que eu senti que o autor estava se repetindo, entretanto eu entendo que a obra trata de pessoas verdadeiras e que não seria nada justo editar a vida de pessoas apenas para satisfazer o prazer da leitura. 

A edição tem um formato que eu considero ideal, uma capa cartonada que permite que a gente leia com conforto suas mais de 400 páginas que conta ao final com apêndices que são documentos que trazem a versão Israelenses dos acontecimentos apresentados. Essa já é a quinta reimpressão, é uma pena que a Companhia das Letras não tenha preferido fazer uma outra edição, corrigindo os erros de revisão que aparece na obra. 

Notas Sobre Gaza é um excelente relato sobre os horrores que ocorreram em 1956 e que permite mostrar como é sobreviver num território tão pequeno e cujos cidadãos deveriam poder dispor de autonomia em vez de ser vigiados dia e noite sobre tudo o que fazem. Uma situação em que se percebe que a violência vai gerar ódio o suficiente para gerar conflito entre dois povos desunidos pela intolerância justificada pela deturpação das suas crenças religiosas e pela incapacidade do homem em utilizar da sua racionalidade para aprender a conviver entre si. 

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Ficha técnica:

Título original: Footnotes from Gaza
Tradução: Alexandre Boide
Páginas: 432
Formato: 20.00 X 27.00 cm
Peso: 1.115 kg
Acabamento: Livro brochura/ capa cartonada/ preto e branco
Lançamento: 26/10/2010
Selo: Quadrinhos na Cia

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