Djeliya - uma fantasia épica africana


O Brasil tem recebido diversos filmes e séries vindo de África e muito timidamente produções em quadrinhos. Finalmente chega ao Brasil um quadrinho vindo de lá, de um autor do Senegal. Essa é uma obra que, embora tenha sido publicada nos EUA, tem uma perspectiva africana. Ela recebeu várias premiações durante o ano de 2022, mas de maneira muito estranha esse fato foi completamente ignorado tanto pela mídia especializada em quadrinhos quanto pela própria Editora brasileira que trouxe a obra. Nesse ano, a HQ venceu o VLA Graphic Novel Diversity Awards na categoria melhor graphic novel e foi indicada a outros prêmios como o Ringo e Ignatz, além de entrar em listas de melhor HQ como a da British Fantasy Society. A Editora Skript publicou a obra publicada originalmente pela TKO em novembro de 2021 por indicação do pesquisador Márcio dos Santos Rodrigues (que apresentou o autor constantemente em seu canal).

Essa é a história de um príncipe que junto com a sua djeli (algo próximo de uma pessoa que possui diversos conhecimentos e que orienta o governante) tem a missão de encontrar o feiticeiro Soumaoro e impedir a destruição do mundo. Eu preciso advertir a você que esse texto parte de uma pessoa ocidental sem quase nenhum conhecimento da cultura senegalesa, por isso o dito são as impressões que o livro me causa e não deve ser compreendido como informacoes precisas.

Logo nas primeiras páginas, chama muito a atenção o ritmo da narrativa e o estilo do traço que dão a impressão inicial de ser uma história infantil, porém com a leitura percebi que os contrastes são um dos aspectos mais marcantes na obra. Ainda que o ritmo da narrativa seja bem apressado de início, a leitura exige calma, são muitos os detalhes tanto na arte quanto em parte do diálogo. O fato do traço ser cartunesco está longe de ser uma história criada para crianças já que a sua complexidade pode frustrar as expectativas delas. Além disso passado, presente e futuro estão ali principalmente nos aspectos culturais do país do autor. Inclusive o senegalês Juni Ba faz questão de deixar claro que essa obra tem aspectos africano futuristas e não africofuturistas. O pesquisador Márcio Rodrigues em curso sobre quadrinhos africanos explica que o africofuturismo refere-se a uma produção feita por pessoas do continente americano mas que possui uma ascendência africana, como Ba é do Senegal e a sua obra têm influência da sua cultura, o mais adequado seria referir-se alguns dos aspectos da obra como africanofuturistas. 


O autor tem um traço muito marcante e inconfundível, o que acaba gerando um encanto logo de cara, ele utiliza de cores bem intensas permitindo uma turbinada nas emoções dos acontecimentos presentes, isso ocorre em quase toda a obra com exceção de um momento em que uma lembrança está sendo contada. Aliás ele consegue passar bem na sua obra a importância do resgate da memória através da contação de histórias utilizando música e em alguns momentos os personagens sentem um certo estranhamento com a maneira banal como as letras das músicas pop são tratadas, uma crítica sutil através da comparação entre o moderno e o tradicional.  

É preciso destacar também o trabalho de tradução e de edição de Márcio Rodrigues que fez questão de deixar algumas expressôes na língua original e trazer paratextos que contribuíram para detalhar aspectos da obra. Como se trata de uma obra inspirada na cultura de um povo, certos detalhes precisam ser mantidos e introduzidos ao leitor que tem pouco conhecimento da mesma. Isso torna a obra ainda mais rica e mostra que uma história em quadrinho não se resume a desenhos, balões e extras de rascunho mas é uma imersão cultural que deve respeitar aspectos originais típicos daquela sociedade e meios que possibilitem ao leitor compreender melhor o que ele está vendo ali.  

Djeliya é um quadrinho que eu pretendo reler algumas vezes ao longo da vida na expectativa de perceber elementos que eu ignorei nessa primeira leitura. Estou bem longe de dizer que aproveitei toda a obra, porém eu consegui com ela a satisfação de ter contato com uma cultura bem distante da minha com valores que me fazem refletir. Um outro aspecto marcante é a maneira como o autor se expressa na linguagem dos quadrinhos aproveitando seu traço, a intensidade das cores e até mesmo a maneira como ele apresenta as onomatopéias, por exemplo num dos momentos além de representar graficamente o som, a palavra é exibida simulando o movimento do personagem de rotação. Por isso, ainda quem não goste da história em si, pode encontrar soluções pouco utilizadas na maneira de se expressar em histórias em quadrinhos.  




Ficha técnica: 
Publicado em: novembro de 2021
Editora: Skript Editora
Licenciador: Tko Studios
Categoria: Graphic Novel
Gênero: Fantasia
Status: Edição única
Número de páginas: 192
Preço de capa: R$ 69,00

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