O Time do Vírus - Um quadrinho sobre como a disputa política invadiu o enfrentamento da pandemia no Brasil

 


Eu começo a escrever esse texto no dia 18 de fevereiro de 2022 e o mundo ainda vive uma pandemia de Covid 19. Esse número "19" ao lado do nome do virus identifica o ano em que ele foi descoberto. Três anos sob a influência de uma doença terrível estão passando e a gente nem tem ideia de quando vai acabar. Em números oficiais, praticamente 642 mil pessoas morreram dessa doença só no Brasil e como tudo que a gente faz na vida, a política tem uma grande influência sobre isso, já que nesse caso ela pode impedir ou estimular a contaminação em massa com as suas ações. Por isso Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes fizeram de forma independente esse quadrinho reportagem para registrar essa tragédia e mostrar como a disputa política esteve presente nesse momento, esse livro foi publicado em fevereiro de 2022. 

O futebol é a maior paixão do brasileiro e geralmente a paixão por seus times faz com que as pessoas o defendam-nos a todo o custo, por menos justa que seja a argumentação. Há uma visão enviesada de que só é possível ver as qualidades do seu time e que em todos os defeitos há uma explicação para justificá-los. Durante o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o grupo que protestava a favor do processo utilizava a camisa da Seleção Brasileira de Futebol afim de marcar o seu patriotismo. Contudo o que ficou presente em vários deles foi a paixão cega que manteve um grupo muito fiel no seu combate "contra o PT", isto é, o sentimento intenso do futebol também influenciou a percepção sobre a realidade, causando uma cegueira seletiva similar. 

Essa mesma cegueira acabou infectando a compreensão sobre a pandemia mais perigosa que a gente já viveu. Pessoas motivadas por pura ideologia defenderam um comportamento de risco que se mostrou fatal tanto para elas quanto para pessoas inocentes. A isso se somaram as vítimas que não puderam optar por um isolamento social e outras que mesmo não agindo por ideologia política simplesmente rejeitaram qualquer forma de precaução. Assim o vírus fez muitas vítimas inclusive entre os precavidos que não tiveram como evitar o contato de um agente microscópio que já estava intensamente em grande parte dos lugares. 

O livro inicia com uma simulação de uma partida de futebol para deixar claro uma disputa que tomou um ar de ideologia entre um grupo que rejeitava o conhecimento científico em apoio as ideias do presidente negacionista e um grupo de divulgadores das descobertas científicas à medida que elas ocorriam e que tentavam seguir as suas recomendações, esse grupo foi apelidado pelo seguidor do presidente de "O Time do Vírus", na concepção deles os alertas para evitar o contágio sinalizava uma torcida ao vírus. 

Os autores trouxeram como ilustração diversas situações estampadas nos veículos de comunicação tanto pra servir de base para os desenhos quanto para as falas dos personagens. A ideia era explicar minuciosamente a perspectiva ideológica e as consequências disso no Brasil com os comentários de especialistas em diversas áreas: sociólogos, antropólogos, psicólogos e quem mais tivesse gabarito para explicar esse comportamento suicida ou assassino que várias pessoas optaram em assumir. 

Entretanto esses mais de dois anos foram muito mais complexos e ocorreram situações que eu senti falta em ser abordada no livro, como as descobertas apontadas pela CPI da Covid e o desprezo pela vida em detrimento do lucro de parte do empresariado, fora os interesses financeiros encobertos pela falácia da cloroquina como tratamento de Covid. Uma outra situação que me incomodou foi o da classe profissional que mais parecia estar do lado da ciência: os médicos. É muito representativo a omissão e o posicionamento do Conselho Federal de Medicina durante a pandemia, defendendo uma suposta autonomia médica ainda que estudos em diversos países comprovasse a ineficácia do famigerado "kit Covid". 

A pandemia de Coronavírus não deve ser esquecida e obras como O Time do Vírus impedem que isso ocorra. Com uma linguagem direta e uma arte que representa bem as cenas de destaque do período, a HQ é uma leitura agradável. É uma pena que ela poderia ter explorado outros aspectos desse desastre, isso ajudaria a evitar que a narrativa ficasse repetitiva em alguns momentos e possibilitaria cobrir mais aspectos que contribuíram para a disseminação do vírus. A questão ideológica, por exemplo, sofreu influência dos interesses financeiros e teria sido muito bom esse aspecto ter sido explorado na obra. É bem verdade que a pandemia no Brasil é tão complexa que dificilmente uma obra consiga abranger tudo, por isso esse quadrinho é útil para introduzir essa discussão. 


Ficha técnica:

Publicado em: 2021

Editora: Independente
Licenciador: Material Autoral
Categoria: Edição Especial
Gênero: Alternativo
Status: Edição única
Número de páginas:
Formato: (16 x 23 cm)
Preto e branco/Lombada quadrada



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