O Pesadelo de Obi - um dia especial que todo líder autoritário merece

 


A Guiné Equatorial é um país da África Ocidental que sofre com uma ditadura há 40 anos, um país com uma população empobrecida mas que guarda uma boa reserva de petróleo. Theodoro Obiang Nguema Mbasogo assumiu o comando do Estado em 1979 após ele depor o próprio tio e condená-lo a morte, a ditadura tem o mesmo tempo de vida que a pessoa que vos escreve. Essa é uma sátira que incomodou tanto esse governo que levou a prisão o desenhista Ramón Esono Ebalé. A Editora Skript em 2021, através da curadoria do pesquisador de quadrinhos africanos Márcio Rodrigues, trouxe esse quadrinho independente que foi feito com o apoio internacional e distribuído discretamente para a população. 

A história inicia mostrando o cotidiano de Obiang (Obi) e o quanto todo o privilégio financeiro e o desprezo pela humanidade o torna uma figura antipática e temida assim como o faz-nada do seu filho. Obi é um ser abjeto que mente na cara dura para a sua população, carente de todas as políticas públicas, sobre a situação financeira do país. A Guiné Equatorial é um país de um milhão de habitantes praticamente do tamanho do Estado de Alagoas com uma boa reserva de petróleo, mas que a população não vê nenhum benefício da venda dessa poderosa commoditie, diferente das contas bancárias do seu ditador, que estão cada vez mais gordas. Em um determinado dia, Obi acorda como um cidadão comum: sem dinheiro pra comprar comida, sem transporte, com um serviço de saúde que funciona a base da solidariedade de países estrangeiros e cuja educação não possue a estrutura mínima para promover a aprendizagem. 

Essa é uma obra tão forte que os roteiristas Chino e Tenso Tenso só se comunicam com pseudônimos, um comportamento compreensível haja vista que o seu roteiro denuncia vários crimes para a população guiné-equatoriana além de vários outros países. O roteiro não alisa na sátira colocando o ditador nas situações as mais ridículas possíveis. Essa é uma obra carregada de texto e com balões enormes, melhor forma de detalhar ao leitor como é viver naquele país. A editora tomou a acertada decisão de mudar o projeto e aumentar o tamanho do quadrinho para um formato magazine, possibilitando assim que os ladrões não tivessem perda no seu texto e ainda ficasse legível. 

À medida que eu ia lendo ficava inevitável eu fazer a ponte entre Obiang e Bolsonaro, parece que todo autoritário saiu da mesma forma. Fora a distorção da realidade nos seus discursos, ambos se consideram como um representante de um ser superior para justificar as ações do seu governo. Isso sem falar no total desprezo pelo sofrimento do seu povo. As similaridades da obra com o Brasil não se limita ao representante  máximo, mas a pobreza e o sucateamento do serviço público fazem com que a identificação seja inevitável. Quando Obi visita a escola do filho, a lembrança de algumas escolas públicas brasileiras deixou-me até entristecido. O Brasil mantém um número alto de apoiadores desse desgoverno que mesmo antes da pandemia só piorou a situação do país em vários aspectos. Isso porque essas pessoas tem medo de fantasias como o comunismo ou a destruição da família e acreditam apenas no país mágico inventado nos grupos das redes sociais. 

Os desenhos de Ramón Esono Ebalé incomodam, o que é perfeito para a obra. Essa é uma obra de denúncia e por isso a retratação precisa gerar esse mal estar. As cenas dos quadrinhos são de uma violência que vai muito além da física, é o desprezo dos poderosos e a sua falta de moral, é a negligência pública que faz com que uma população se vire como pode, até chegarmos numa violência física cometida por autoridades sem nenhum pudor, seguras com a certeza da impunidade. Aqui no ocidente o movimento underground lutou não só contra os valores da sociedade mas contra os conceitos estéticos da "bela arte". Ebalé parece querer fazer o mesmo com o seu traço, que não estão ali para admirar mas para ridicularizar a imagem de poderosos e levar o leitor a se incomodar e indignar-se. O desenhista pagou caro por essa obra a ponto de passar meses na cadeia, felizmente uma mobilização internacional causou tamanha comoção que ele conseguiu a sua liberdade e teve que sair do país, uma pena que um acontecimento tão triste não chegou nem a ser mencionado na mídia especializada em quadrinhos no Brasil. 

A edição brasileira conta com uma tradução que faz questão de deixar vários termos da língua nativa ou expressões composta por várias línguas dos países que invadiram o país. Isso gera uma confusão por num mesmo país alguns expressarem com uma língua e outros com uma outra. O editor e tradutor Márcio Rodrigues optou por deixar expressões e palavras no original e possibilitar ao leitor a dificuldade que é viver num país com essa característica da língua mas com explicações no glossário ao final do texto. Se a gente com um glossário na mão sente dificuldade ao ler imagine como deve se sentir o cidadão comum! É uma pena que a encadernação do livro já apresentou problemas ao abri-lo: a guarda ficou um pouco descolada, mostrando um problema na encadernação. 

O Pesadelo de Obi é excelente em vários aspectos tanto na narrativa, no humor, no traço e nos detalhes sobre a realidade do país. A mensagem mais importante é que os poderosos só permanecem no poder enquanto eles conseguem manter a sua população amedrondata. A partir do momento que obras fazem com que a população os vejam como as figuras patéticas que são, o medo diminui a ponto de que o povo perceba que eles podem ser enfrentados. Essa é uma obra de resistência que não apenas lava a alma ao ver um ditador numa situação ridícula mas inspira a nos organizar enquanto povo para tirar o poder de quem não merece seja na Guiné Equatorial, seja no Brasil. 



Ficha técnica:

Publicado em: outubro de 2021

Editora: Skript Editora
Licenciador: sem licenciador
Categoria: Edição Especial
Gênero: Alternativo
Status: Edição única
Número de páginas: 144
Formato:
Preço de capa: R$ 69,00
Tradução: Márcio dos Santos Rodrigues

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