Crise de Identidade - a melhor de todas as "Crises"

 


ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS

A DC abusa do termo Crise nas suas sagas desde o sucesso de Crise nas Infinitas Terras nos anos 80. De todas as sagas que já utilizaram esse termo, essa é a melhor. Essa mini-série foi publicada em 2005 no Brasil pela Editora Panini. A história trata de um segredo terrível da Liga da Justiça que é revelado após uma tragédia. Isso faz com que o leitor mude a idealização que ele traz da equipe e passe a notar o quanto heróis também podem estar sujeitos a atos impulsivos como qualquer um. 

O Homem-Elástico sempre foi retratado como um personagem divertido e um dos poucos que teve a esposa tão presente na Liga da Justiça. Contudo logo no início dessa história, o seu alter ego Ralph Dibny é surpreendido pelo pedido de ajuda da sua esposa Sue que estava em casa sozinha. A mulher é brutalmente assassinada e isso faz com que toda a comunidade de super-heróis percebam o quanto eles são vulneráveis. Por mais que poderes e habilidades protejam os heróis, a sua vida pessoal os coloca em contato com pessoas normais e algum vilão um dia pode descobrir alguma dessas que são especiais para esse super ser. O herói que dedica a sua vida a proteger milhares de pessoas, deixa seus entes queridos vulneráveis a cada vez que ele se ausenta para salvar o mundo. 

Isso ocorreu com o Homem-Borracha e a reação em cada um dos meta-humanos que esteve presente no enterro de Sue Dibny foi de revolta, principalmente porque o crime havia deixado poucos indícios sobre qual vilão poderia ter causado isso. Para Ralph entretanto tudo estava muito claro: o Doutor Luz havia matado a sua esposa!

A certeza que Ralph manifesta provém de uma outra tragédia que havia ocorrido anos atrás, quando a Liga da Justiça ainda tinha como quartel general um satélite no espaço. Em um determinado dia, Doutor Luz havia invadido o satélite e encntrara apenas Sue Dibny. O vilão imobiliza a vítima na intenção de estuprá-la. Os heróis impedem a concretização do crime mas o vilão debocha da situação e ameaça fazer o mesmo com familiares de outros heróis. Os membros presentes decidem por fazer uma lobotomia no Doutor Luz afim de que ele esqueça que conhece Sue Dibny e mudam a sua personalidade para que ele se torne uma pessoa menos perigosa.

Nesse momento, os heróis abandonam a ideia de Justiça como seres responsáveis pela manutenção das leis e passam a assumir a posição de carrascos que decidem e aplicam uma sentença sem que ninguém além deles soubesse. Para piorar, é revelado que o Batman os pega no flagra e eles decidem também apagar a memória do Homem Morcego. 



O roteirista Brad Meltzer utiliza de elemetos críveis para abrilhantar a sua história. É conhecido que quando agentes da ordem começa a burlar as leis que os norteiam, a tendência é que eles passem a cometer crimes cada vez maiores. Assim policiais que, por duvidar do rito processual, acaba fazendo "justiça com as próprias mãos" passam a se associar em milícias e produzem crimes similares a quem um dia eles caçavam. É verdade que crimes hediondos como o estupro tendem a levar com que pessoas ajam por impulso mas ainda assim é preciso que a sensatez venha de alguém ou algo externo aos envolvidos, já que para alguém passar a ser um criminoso, basta cometer o primeiro crime, a perda da sensatez pode transformar qualquer herói num perigoso vilão, e é esse horror que a série explora ao vermos isso acontecendo com os membros da maior equipe da DC.

Essa é uma mini-série que explora bem as nuances psicológicas do que é ser um herói apesar dos seus sentimentos humanos. Não é a toa que, enquanto todos procuram responsabilizar um supervilão pela morte de Sue e pelos demais crimes que sucederam, eles perdem o foco em descobrir que o assassino poderia ser um parente de um dos heróis, que mesmo sem poderes, conhece diversas das identidades secretas deles. Jean Loring, a ex esposa do Elektron, inconformada com a separação e disfarçava o seu sentimento, percebeu que uma forma de atrair a atenção do seu amado seria criar uma ameaça real aos entes queridos dos heróis da Liga da Justiça. Isso mostra que há situações em que um vilão não necessariamente é uma pessoa cheia de maldades. Há circunstâncias nas quais uma pessoa qualquer pode ser levada a cometer um vacilo e com circunstâncias inesperadas, algo que poderia ter sido insignificante vai se complicando a um ponto de ocasionar um crime terrível. O medo de ser descoberta a leva a sair cometendo ainda outros e os crimes parece não parar de suceder. Há histórias de pessoas condenadas similares a essa que faz com que a gente acabe fechando os olhos para um algoz que está ali tão perto mas que a gente o conhece como uma pessoa incapaz de cometer tal ato, são momentos que a gente entende que crimes terríveis podem ser causado por pessoas comuns que não tem um histórico de maldades.

Essa é uma história adulta que pode ser lida por qualquer pessoa, seja leitor veterano ou novato. Existem alguns detalhes que podem causar estranheza como o filho do Arqueiro Verde (que também adotou esse nome quando Oliver Queen estava morto) e o fato do Lanterna Verde clássico, que também morrera estava na época atuando como Espectro. Além de utilizar de elementos da cronologia da época, a mini-série impõe as suas próprias mudanças, como as mortes de Nuclear, do Capitão Bumerangue e a de Jack Drake (pai de Tim Drake, o terceiro Robin), além dos segredos revelados aqui que implicaram em desconfiança nos membros da Liga da Justiça e ainda foi a motivação para a Crise Infinita. 

Se os roteiros de Crise de Identidade são impactantes, os desenhos de Rags Morales faz um show à parte. Morales faz um excelente trabalho de forma geral mas o seu maior destaque está na intensidade com que ele expressa a emoção dos personagens e os elementos que ele insere para contribuir com isso. O Homem Elástico, como um meta humano que modifica a sua forma, é utilizado no traço de Morales como alguém cujas emoções vão ficar ainda mais evidentes quando o seu corpo maleável expressa a terrível dor ao ver o cadáver da sua amada. Além disso, Morales faz questão de permitir que a máscara de vários dos heróis tenham os seus olhos bem evidentes para aproveitar as emoções que eles expressam. Eu sugiro particularmente para que o leitor perceba como ele representa o Robin, nas suas primeiras aparições, ele se mostra como um adolescente decidido e, ao ver o corpo morto do pai, ele passa a ter o semblante de uma criança recém abandonada, um recurso que engrandece a narrativa. 

Crise de Identidade é uma mini-série que têm importância para a cronologia do Universo DC mas que pode (e deve) ser lida separadamente, já que pode ser vista como uma história fechada da Liga da Justiça. Um quadrinho voltado para leitores adultos que confunde a maneira idealizada que enxergamos os heróis da Liga. Ainda que o termo autêntico não caiba (já que Watchmen também desconstrói o herói) é uma história que surpreende e consegue satisfazer o leitor de uma forma que poucas conseguiram.

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Destaques da obra:

- Morte de Sue Dibny (esposa do Homem Elástico)

- Morte do Nuclear

- Morte do Capitão Bumerangue original

- Desaparecimento do Elektron.


Ficha técnica:

Formato: 17 x 26 cm

Número de páginas: 264

Lombada/Encadernação: Quadrada

Tipo de capa: Dura

Data de Lançamento: 28/08/2020

Preço: 94,90

Tratudor: Jotapê Martins e Fabiano Denardin


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Crise nas Infinitas Terras - a redenção e a maldição da DC



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