Por que não há quadrinhos produzidos na África publicados no Brasil?


Em um dos episódios dos Simpsons, Homer fica intrigado com a abreviação J. em um dos seus sobrenomes, ele passa o episódio todo tentando descobrir o seu significado, até ver sua certidão de nascimento onde mostrava que essa abreviação vinha de Jota (ou Jay se preferir). O interessante disso é que nós brasileiros sabemos tão pouco das nossas raízes, no máximo o que se encontra são os brasões das famílias européias que colonizaram esse lugar. Isso diz muito de um triste dado relacionados a quadrinhos: eu desconheço alguma editora brasileira que publicou algum gibi totalmente produzido em algum dos vários países do continente africano. 

Os quadrinhos publicados no Brasil, assim como boa parte da nossa cultura, têm uma grande influência estadunidense. O início desse século trouxe uma invasão japonesa que hoje ocupa uma grande fatia do mercado. As adaptações dos quadrinhos europeus estão em expansão no Brasil e ainda percebe-se que quadrinhos premiados no Oriente Médio e na Ásia tem espaço e sucesso garantidos mas onde estão os quadrinhos africanos?

A inquietação que levou-me a escrever esse texto veio de uma pesquisa no Google, em que há algumas poucas matérias de material publicado na Terra Mãe. No Facebook, eu encontrei um site que cita uma plataforma paga onde a gente pode acessar os gibis produzidos lá, chamada Vortex 247 mas não encontrei nem o valor em real e nem entendi a forma de pagamento. 


Eu acho muito estranho toda essa dificuldade. Se você quiser ouvir música africana, há opções no Spotify (experimente Eddy Kenzo, pra você sentir a batida!) e no youtube. Filmes e séries produzidos lá estão disponíveis em streamings. Na literatura, você não vai ter dificuldade em encontrar livros em prosa ou em poesia de grandes autores de vários países africanos adaptados por editoras brasileira. Por que nos quadrinhos essa realidade é tão distante?

A primeira hipótese é: alguém tem esses gibis nas suas coleções? Todo bom colecionador certamente inclui como roteiro das suas viagens uma visita a gibiteria para conhecer artistas locais. Dentre tanto nerd que viaja, nenhum deles nunca foi a nenhum país da África? Para ser ainda mais específico, os editores de quadrinhos precisam estar em contato com muito material para descobrir grandes novidades. O fato é que não são todos os editores que lêem apenas aqueles que ganharam Angouleme, eles têm um bom olho pra encontrar muito tesouro e o guardam nas suas coleções. Não é estranho o fato de ninguém mencionar uma produção africana?

A outra hipótese é: se tivéssemos um excelente produto do continente, haveria público para viabilizá-lo? Até há poucos anos a resposta certamente seria não. Hoje, com o financiamento coletivo, editoras pequenas assinam contratos e viabilizam livros pra um nicho bem reduzido, a paixão pelo personagem vai além da vontade de ter um lucro enorme. Vários autores estão sendo viabilizados com uma tiragem mínima. Nesse caso, seria importante conhecer o público que já consome gibis voltados com temática negra, com relação a gibis brasileiros e estadunidenses, há um mercado que o diga os fãs do Miles Morales, o sucesso de Jeremias e Angola Janga e a produção independente Orixás dentre outros. O público que viabiliza esses personagens não poderia viabilizar o lançamento de um gibi produzido na África?


O que não é admissível é esse silêncio passivo que não questiona o fato de um país que possui  56,10% da população de pessoas que se assumem negra ou parda não viabilize uma publicação de quadrinho produzido em país africano. Isso também demonstra algo ainda mais grave: o Brasil foi colonizado por brancos mas os escravos que foram arrastados para cá chegaram a ser um número tão grande que chegou a asustar a elite branca após a abolição, seja por temer o número de pretos, seja pelo nojo que eles sentem até hoje. O estímulo a vinda de emigrantes europeus não impediu que a cultura e os genes de pessoas pretas estivessem incrustados em nossa nacionalidade. É por isso que, conhecer a cultura africana é essencial pra preencher aquele vazio que desperta o ódio que eleja governantes irresponsáveis. A falta de conhecer a cultura africana é aquela abreviação do J. no nome de cada brasileiro que ninguém sabe o que significa mas está ali e esse desconhecimento incomoda. 

Cada editor de quadrinho no Brasil precisa fazer internamente o questionamento: Por que não há quadrinhos africanos produzidos no Brasil? Se você que está lendo esse texto por acaso é editor, não entenda como uma empáfia da minha parte, entenda como uma provocação. É preciso questionar, é preciso formar um público porque senão continuaremos a nos conformar apenas com quadrinhos como o Fantasma: um homem branco que anda pela selva africana para salvar as injustiças cometidas ali. Só pra ressaltar o óbvio: cada povo é capaz de encontrar por si as soluções para os seus problemas e não necessita de nenhum salvador branco para isso. O que nós leitores de quadrinhos queremos é ter contato com pontos de vistas diferentes e com diversas culturas dos países desse vasto continente que fazem muita falta na sociedade brasileira. 

Todas as imagens desse texto são de gibis digitais retiradas da plataforma Vortex 247

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