Virgem Depois dos 30 é uma história em quadrinhos feita no Japão (mangá)
a partir de um livro documentário chamado Virgem de Meia Idade. A intenção da
obra é trazer a história de homens que após os 30 anos de idade permanecem
virgens e não escolheram isso como uma opção na sua vida. O livro tomou como
base o depoimento de oito pessoas que resolveram expor as suas vidas. O autor
Atsuhiko Nakamura fez a pesquisa e escreveu e o desenhista Bargain Sakurachi
adaptou para uma narrativa de quadrinhos.
De uma forma geral, as pessoas que participaram do documentário
(denominada pelo autor como exemplares) tiveram os seus nomes substituídos por
nomes fictícios. Eu optei nesse texto em trazer três histórias que mais me
chamaram a atenção. As situações que cada um dos personagens vivem é diferente,
contudo existem algumas semelhanças entre eles na sua forma de agir com as
pessoas, na forma como eles se vêem e nos seus pensamentos sobre essa
situação.
Miyata é uma pessoa que conseguiu encontrar em comentários
intolerantes de extrema direita na internet a atenção que ele tanto desejava
que foi o suficiente para a suas fantasias de homem garanhão. Miyata é uma
pessoa que prefere gastar o seu tempo com leitura e o contato com pessoas se dá
apenas pela internet. Ele descobriu que comentários intolerantes a imigrantes
atraia muitas curtidas e passou a se empenhar nesses discursos tendo como livro
de cabeceira escritores que pregavam todo o ódio do qual ele se nutria.
Muitas pessoas na vida de Hiroshi Matsuno contribuíram bastante na
destruição da sua auto-estima, dentre elas uma parcela significativa foi de
mulheres. Sem enxergar qualidades em si e devido ao desprezo sofrido, Matsuno
consegue encontrar saída para uma vida sexual ativa na homossexualidade. O fato é que Matsuno usou
a homossexualidade como meio para ter uma vida sexual ativa. As definições de
hetero ou homossexualidade passa pelo campo do desejo e é nisso que a mudança é
algo tão complexo. É possível que um homossexual tenha uma vida como um hetero, contudo o seu desejo por pessoas do mesmo sexo vai persistir e esse sofrimento
vai fazer parte da sua vida. No caso do protagonista da história, as humilhações
pelas quais passou o deixou com um medo acentuado e sem nenhuma confiança para
aproximar-se de mulheres. A insistência na homossexualidade apenas
servia como fuga.
Ichiro
Suzuka é de longe a história mais inusitada, um virgem que percebeu que a
maneira mais rápida de subir na vida seria ser ator ou cantor. Assim, unindo o
útil ao agradável, ele tentou chegar ao estrelato como ator pornô. O sua
aparência de homem comum serviu para que ele fizesse parte do elenco dos
filmes. Entretanto, a sua virgindade acabava ficando à mostra na sua face e nos seus atos,
fazendo com que as atrizes o rejeitassem. A última história do livro é a do
próprio autor e o que levou a escrever sobre o assunto e algumas das
dificuldades que ele encontrou durante as entrevistas.
O gibi
traz histórias de pessoas que passaram vários anos de sua vida sem ter
interesse por uma vida social, quando a solidão começou a doer, essa pessoa já
tinha vários hábitos como falta de higiene, desleixo com seu aspecto físico e o
pior, não sabia como relacionar-se com os demais. Essa frustração fez com que
alguns dessas pessoas agissem de maneira intolerante com quem considerasse
abaixo da sua hierarquia. Algumas vezes até foi possível estabelecer contato
com o sexo oposto mas os virgens agiam de maneira sufocante ou de uma forma tão
evidente no seu desejo que assustava os seus parceiros.
Eu achei
a temática do livro curiosa e os personagens do livro me fizeram sentir um
misto de pena com repugnância que fez com que eu entendesse melhor a
problemática até o ponto de eu me vê em algumas situações. Ao primeiro momento,
o que me atraiu foi o fato de eu pensar que uma situação como aquela não
existia. Ainda que a cultura japonesa possibilite que tantas pessoas vivam em
situação de solidão, a problemática está bem próxima da nossa cultura e a gente
nem sequer se deu conta. Esse livro se focou na solidão sofrida pelo homem heterossexual, contudo o autor afirma não ter concluído a sua pesquisa, fica em aberto que a mesma abordagem seja feita com relação a mulheres virgens ou com homossexuais, além de outras minorias que vivem no Japão e que sofrem com a virgindade na idade adulta.
No início
do ano, uma tragédia deixou o Brasil e o mundo perplexos. Dois jovens entraram
numa escola e mataram várias crianças e professora e depois cometeram suicídio em Suzano São Paulo.
Descobriu-se que eles se auto-denominaram como INCEL. É uma pena que a maior
parte das discussões que se seguiram a esse atentado terrorista se deu como se
a responsabilidade fosse dos jogos violentos. Ora, caso esse argumento fizesse
algum sentido, certamente não haveria vida humana, tamanho o número de
jogadores. O que motiva essas pessoas na verdade é a dificuldade em
relacionar-se e a solidão, gerando graves transtornos de conduta.
A obra
não tem a intenção de apontar caminhos mas de apresentar ao público esse
fenômeno, ainda que haja ali algumas histórias bem sucedidas. Até por isso que os
editores não recomendam o gibi para quem esteja passando por problemas pessoais
e com sentimento de solidão. O melhor conselho nesses casos é buscar formas
efetivas de estabelecer relações no mundo real ou o tratamento psicoterapêutico
com psicólogos. Uma ajuda com base científica é bem mais eficaz do que livros
de auto-ajuda ou farsantes que do nada se denominam “coach” em relacionamentos.
Se o
mangá é ótimo como narrativa que é muito bem escrita por Atsuhiko Nakamura, os
desenhos de Bargain Sakurachi são fabulosos. Ele que já produziu quadrinho
erótico, traz um traço muito detalhado da figura humana e traz as emoções dos
personagens de maneira convincente. Há quem critique os mangás por trazer
quadros sem desenhos no fundo. É exatamente isso que você NÃO vai encontrar
nesse mangá. Seja com desenhos detalhados ou seja montando o desenho sobre uma
fotografia, Sakurachi costuma preencher todos os espaços com muita dedicação.
Virgem
Depois dos 30 é um excelente Mangá Documentário e eu recomendo para
jornalistas, psicólogos, sociólogos, filósofos, psiquiatras, tanto para quem já
lê quadrinhos como para quem nunca leu (só precisa saber que mangá a gente lê
da direita pra esquerda). Essa é uma obra pra se ler e debater e que sirva como
fonte sobre futuras pesquisas com essa temática. É surpreendente como mesmo com quase 120 anos que Freud escreveu sobre o inconsciente e em como a repressão sexual pode ocasionar transtornos mentais, isso ainda ocorra com tanta frequência e o sexo ainda seja um tabu. A Editora Pipoca e Nanquim
mais uma vez acerta na escolha e com o trabalho editorial. O único detalhe que
eu modificaria seria adequar os termos sobre escolarização com a realidade
brasileira mais atual que divide as etapas em Educação Infantil, Ensino
Fundamental (Maior e Menor) e Ensino Médio, esse negócio de “colegial” só
dificulta a compreensão. Porém é um mero detalhe que não diminui em nada o
brilhantismo da edição.
Ficha técnica:
- capa cartão com 244 páginas em preto e branco
- Editora Pipoca e Nanquim
- Lançamento maio de 2019
- Preço de capa: R$ 49,90
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