O discurso de que as mulheres são mais sensíveis muitas vezes encobre uma desejada condição de submissão. Inclusive a representação feminina no cangaço também acaba trazendo isso. Felizmente esse quadrinho se propõe trazer uma outra narrativa e pelos recortes de jornais da época trazidos na introdução, conta uma história bem mais próxima da realidade. Esse quadrinho foi publicado de maneira independente em abril de 2021.
Por séculos as mulheres são vítimas de homens apenas pelo fato de serem mulheres. A ideia de que "os homens morrem muito mais do que as mulheres" não discorda da minha ideia inicial. Isso porque os homens heterossexuais morrem por condição de saúde, desentendimento com outros homens e por assalto. Tudo isso pode ser motivo também para levar uma mulher a morte, o que acrescenta o risco de vida às mulheres é o fato de um marido (ou ex) , namorado (ou ex) ou um estuprador simplesmente decidir matar uma mulher por considerar uma propriedade sua ou por ele perceber que ela é fisicamente mais frágil do que ele. Isso tem nome: feminicídio. Esse tipo de violência covarde precisa ser repudiado e enfrentado mas infelizmente o deboche sobre isso consegue ser uma plataforma eleitoral para a extrema direita. Em Fortaleza (CE), o candidato a prefeito André Fernandes afirma "Brasil, tantas mulheres morrem por dia. Tá, dane-se, e quantos homens morrem por dia?" Uma afirmação dita num país em que pelo menos 8 mulheres foram vítimas de violência a cada 24 horas em 2023 segundo o relatório Elas Vivem da Rede Observatórios de Segurança.
Assim o paraibano Shiko, roteirista e desenhista dessa obra, traz a relação das cangaceiras com essa situação e constrói personagens que sabem muito bem o que fazer com homem lixo quando estão munidas de uma pistola ou uma peixeira. Essa edição, apesar de ser uma história fechada, pode também ser compreendida como a quadrinhização de pequenos contos sobre essa temática, alguns deles narrados durante uma troca de tiros entre o bando de cangaceiras contra um outro bando só de homens.
É preciso enfatizar também como o traço do autor enfatiza a beleza e a sensualidade das suas personagens, mulheres que tem a posse da sua sexualidade e a utiliza para o seu próprio prazer, algo que incomoda demais a cultura machista de homens frágeis que não sabem lidar com isso. Além da beleza, Shiko também demonstra uma habilidade em nos impactar com a violência. Há um momento no quadrinho em que uma sequência de desenhos podem não ser bem compreendida por quem não conhece a cultura de Estados do Nordeste. Há um momento em que a cangaceira entra numa capela escura cheio de rostos e partes de corpos. Eu vi um local desses em Juazeiro do Norte (CE). É nessas capelas onde as pessoas que têm a sua graça alcançada deposita uma fotografia ou uma peça de gesso retratando a pessoa ou a parte do corpo que foi curada. Por isso que nesse local há tantas velas em retribuição ao milagre atribuído ao santo. Para quem não conhece essa informação pode não compreender os acontecimentos representados na cena de terror da obra.
Carniça e a Blindagem Mística Parte Dois é uma excelente obra que não só retrata a violência sofrida por mulheres em 1922 mas que ainda vem ocorrendo em quantidade absurda até hoje. Além disso, a história acaba sendo uma catarse por ser uma história de vingança contra homens lixo incapazes de reconhecer na mulher um ser que merece ser tratado com dignidade. Esse é um quadrinho adulto tão impactante no roteiro quanto no traço e que merece ser apreciado página por página.
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Ficha técnica:
Publicado em: abril de 2021
Licenciador: Shiko
Categoria: Minissérie
Gênero: Alternativo
Status: Em circulação
Formato: (20,5 x 27,5 cm)
Colorido/Lombada quadrada
Preço de capa: R$ 56,00
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