Um dia Jaha encontra um pente garfo na rua. Isso começa a lhe trazer lembranças e ela percebe naquele momento o quanto as pessoas são diferentes entre si, uma identidade marcada na maneira como elas utilizam os seus cabelos. A partir daí ela chega a decisão de finalmente deixar a raiz dos seus cabelos crescer e vai parar de alisá-los. A Editora Conrad publicou esse quadrinho em novembro de 2023.
O racismo no Brasil possui várias peculiaridades. O mais visível é quando ele se manifesta de uma forma direta com xingamentos e demais violências que se motivam apenas pela cor da pele da vítima. Porém isso está longe de definir a complexidade desse preconceito no nosso país. O racismo aparece muitas vezes de uma forma discreta, numa série de atitudes que são normalizadas pela sociedade mas que afetam a pessoa preta de uma maneira que ela sente mas não necessariamente uma outra pessoa consegue notar. Algumas outras negras não conseguem perceber o racismo nas suas sutilezas e acabam interpretando que existe algo de errado na aparência delas ou sobre o jeito de elas serem. Isso é algo que já inicia na infância e vai destruindo a sua autoestima durante toda a sua vida até que (ou se) ela percebe que não é nela que está o feio ou o erro, mas na maneira como a sociedade brasileira vem repetindo durante séculos um preconceito racial que se iniciou com a invasão portuguesa em 1500 e desde lá apenas foi se transformando para poder se perpetuar.
A roteirista paulista Regiane Braz faz, a partir do desejo da sua protagonista em se descobrir, a recapitulação da sua trajetória de vida. Desde quando criança, a sua mãe começou a alisar os seus cabelos sem que ela nem sequer entendesse o porquê de ter que se submeter aquela situação incômoda. A partir daí, acompanhamos o quanto esse preconceito esteve presente na sua vida, seja através da cor das modelos que estampavam a revista de moda ou seja nas falas do cabeleireiro, que incomodavam Jaha mas que se naturalizaram tanto que só restavam engolir em seco essa sensação.
O roteiro da história é bem tocante e sabe dosar bem a crítica social pra evitar que a história seja apontada como panfletária. Com isso consegue convencer o leitor que a história é sobre vivências e sensações de como é estar na pele de uma pessoa negra. O outro aspecto que contribuiu muito na narrativa foi o traço de Marília Marz que se comunica muito bem com a expressividade facial dos seus personagens. Além disso, ela respondeu muito bem ao desafio que é representar os diferentes estilos de cabelos, inclusive alguns deles sendo mostrados durante a transição capilar, já que isso é a essência da obra. Além disso, a artista resolve explorar outros ângulos das seus cenas e em outros momentos traz um gradeamento diferente da página, o que permite fazer com que o leitor não se canse com a apresentação das mesmas.
Em Ti Me Vejo é um excelente quadrinho que consegue mostrar, sob o ponto de vista de uma personagem negra, o contexto racista em que a gente vive. Com muita sensibilidade as autoras nos fazem refletir. Por isso, se a obra é indicada para mulheres que entendem a importância do cabelo na sua vida, ela também deve ser lida por homens que nunca pararam para pensar sobre essa importância que o cabelo possui. Um quadrinho que possibilita a reflexão e discussão a partir de obra que apenas aparenta ser simples.
Ficha técnica:
Publicado em: novembro de 2023
Licenciador: Regiane Braz e Marília Marz
Categoria: Edição Especial
Gênero: Alternativo
Status: Edição única
Formato: (17 x 24,5 cm)
Preto e branco/Lombada quadrada
Preço de capa: R$ 49,90
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