Essa obra é uma reportagem em quadrinhos sobre como grupos marginalizados se formam para garantir direitos que vão do básico até a sobrevivência. Nessa edição, o autor passa por três continentes: Ásia quando ele vai para o Líbano; América ao retornar ao Brasil, país que ele visita regularmente e para a África, onde ele vai para o Benin. Em meio à distância geográfica e cultural desses locais, ele encontra algo em comum que faz com que possa presenciar de perto e entrevistar pessoas que são protagonistas na iniciativa de buscas por melhorias de vida. É importante notar o fato de mulheres estarem a frente nas três situações, fazendo com que o autor reflita sobre o porquê disso. Esse quadrinho foi publicado pela Editora Nemo em fevereiro de 2023.
Thawra: a revolução libanesa
Uma proposta de lei para taxar as ligações por whatsapp foi o estopim para que a população do Líbano fizesse um chamado para a revolução. A partir dessa insatisfação inicial, as pessoas começaram a reivindicar por melhorias na sua vida e se indignar com a corrupção dos seus governantes. 18 comunidades compõe o país e as duas maiores são de católicos e muçulmanos. Há alguns anos uma guerra civil ocorreu proveniente do conflito entre as duas. Toulmé e alguns amigos estavam em visita ao país para tentar reagendar uma feira de quadrinhos, isso bem no meio dos protestos. Por isso ele aproveitou para colher informações sobre o que estava ocorrendo por ali e o que aquelas pessoas estavam querendo.
A Comunidade do Porto do Capim
Quando o autor retorna ao Brasil, país onde viveu durante vários anos, ele se depara com uma situação inusitada que estava ocorrendo em João Pessoa na Paraíba. A prefeitura havia resolvido remodelar uma área e construir um espaço turístico, para isso ela tinha o interesse de retirar os seus moradores. Essa região é chamada de Porto do Capim e Toulmé resolve ir até lá pra ver de perto a versão deles. Para alguns, uma casa é apenas um local que pode ser temporário, para outros, o ambiente está relacionado a contrução da própria identidade e por isso há uma relação afetiva com aquele lugar que torna a saída uma decisão dolorosa. Por isso, o melhor caminho seria chegar numa solução em que a remodelação desse ambiente levasse em conta a manutenção dos seus moradores e um diálogo que privilegiasse o respeito aos seus costumes.
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Chanceline e os direitos das mulheres
Já convencido do que realmente gostaria de pesquisar, Fabien vai para o Benin na África para conhecer a vida de mulheres que tentam despertar em adolescentes a consciência sobre a educação sexual. Isso porque esse é um país marcado pela gravidez precoce, uma situação que acentua a situação grave de machismo que vive a sua sociedade. Através da educação sexual, um grupo de mulheres espera tocar em ideias que aborte a auto-estima da mulher, a maneira como elas devem ser vistas pela sociedade para chegar até a importância da igualdade de direitos.
As minhas impressões sobre a leitura
A obra ao mesmo tempo que investiga, possui momentos metalinguisticos, já que o autor também é personagem e ele se representa colhendo elementos para compor essa história quando ele se mostra fazendo as entrevistas e o processo pra produzi-las, além de ele se desenhar tirando as fotos que serão utilizadas como base para os seus desenhos. Isso faz com que a gente sinta com ele a estranheza de estar naqueles locais. É interessante notar o próprio crescimento do autor que vai descobrindo conexões em comum e isso o instiga a buscar explicações sobre isso, fazendo com que a sua trajetória de viagens tenha um foco cada vez mais definido.
Fabien Toulmé assim acaba fazendo uma excelente narrativa e busca conter as consequências do fato de ele ser um homem hétero branco lidando com situações cuja liderança são de mulheres não brancas com uma maneira de ver o mundo bem diferente da sua. Nisso ele acaba aproximando do leitor ocidental que teria as estranhezas similares a dele e faz com que a leitura seja envolvente. Ainda que o foco não seja uma análise histórica ou antropológica dos fenômenos, é interessante compreender o ponto de vista de pessoas que buscam reverter uma condição de vítima.
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O seu traço simples e cartunesco consegue simplificar bem o cenário ao mesmo tempo que mantém a essência do que ele quer que o leitor fique mais atento na condução das histórias.
Ainda que os locais sejam bem distantes um do outro não há como eu não ter estabelecido uma relação pessoal com eles. Os protestos no Líbano fez com que eu lembrasse das pautas de 2013, porém sem que lá tenha ocorrido a apropriação das pautas conservadoras como ocorreu por aqui. A situação na Paraíba é similar a tantas outras que ocorrem no Brasil mas cuja cobertura da mídia foca de maneira superficial a caracterização das pessoas e as suas reivindicações. Já no Benin, ainda que o Brasil viva um momento que se supõe estar bem afrente, pode-se perceber similaridades com situações de um machismo absurdo que ainda ocorrem por aqui e, para piorar, utilizando os mesmos argumentos.
É preciso destacar sobre a importância dos extras. Lá estão algumas das fotografias que serviram de base para os desenhos e que acabam tornando toda a narrativa ainda mais real.
Reflexos do Mundo Livro 1 é uma excelente obra que traz relatos real de grupos de pessoas que descobrem o poder de se organizar como comunidade para enfrentar um desafio em comum. O autor lida com a situação de maneira tão respeitosa que acaba nos envolvendo a ponto de que a gente elementos empáticos em cada uma das histórias. Essa é uma obra indicada a qualquer leitor que assim como eu tem fascinação por histórias reais nesse formato de reportagem em quadrinhos.
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Ficha técnica:
Publicado em: fevereiro de 2023
Licenciador: Fabien Toulme
Categoria: Edição Especial
Gênero: Alternativo
Status: Em circulação
Formato: (17 x 24,5 cm)
Colorido/Lombada quadrada
Preço de capa: R$ 94,90
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