Estados Unidos da África

 


O camaronês Serge Ekondo desenvolveu poderes e passou a chamar-se Rei Bantu. A partir daí, ele traçou como missão unir os 54 países da África e transformar essas nações unidas como um bloco economicamente forte ao mundo. A premissa básica é: E se o Superman tivesse nascido na África? Para responder isso, a obra se divide numa narrativa em quadrinhos e em prosa. Esse quadrinho foi publicado de maneira independente por financiamento coletivo em outubro de 2023. 

Entre as diversas regiões do continente africano falam-se dezenas de línguas. Essa diversidade é fruto de povos diferentes que sempre habitou a região. Pra piorar, o continente foi invadido por europeus e asiáticos que impusseram religiões e culturas e uniu artificialmente povos com rivalidades históricas. Isso faz com que imaginar a África apenas como um espaço de terra onde vivem pessoas negras está longe de abarcar a complexidade da região, até porque engana-se quem acha que só negros vivem lá. 

Entretanto a obra não é fruto de uma extensa pesquisa sobre a história e a geopolítica do continente. Essa é uma obra orionada da visão de dois brasileiros sobre uma ideia de África e para isso utiliza referência do meio dos quadrinhos e das discussões sobre negritude no continente americano. Assim essa é uma história de super-heróis que se propõe bem mais a divertir do que se aprofundar sobre às especificidades do continente. 

Assim o primeiro aspecto que chama a atenção é o fato de, após descobrir os seus poderes, Rei Bantu não saiu pra prender criminosos mas tinha uma ideia maior para o uso dos mesmos: ser um líder político. Até porque se você é o ser mais poderoso de um lugar, não deveria pensar em questões pequenas quando há uma população em sofrimento e o resto do mundo numa profunda indiferença. 

O quadrinho então passa a ser descritivo sobre como é esse mundo com um super-herói que unificou vários países do continente. É uma narrativa romântica que tem a intenção de exaltar a cultura dos povos negros e de reforçar o potencial econômico caso o mundo levasse o continente a sério. Esse aspecto de supervalorização de "um povo" (na verdade são vários povos) tem muito dos quadrinhos de super-heróis em que um ser idealizado moralmente é capaz de resolver quaisquer problemas e a identificação que ele gera exalta indiretamente a força da sua nação, não é à toa que vários desses personagens utilizam as cores da bandeira estadunidense nos seus uniformes. Por isso aqui há apenas uma mudança de chave em fazer o mesmo só que com uma população negra. 

Logo no início eu achei interessante o fato do Rei Bantu se apropriar da expressão Estados Unidos e, nas suas entrevistas, chamar os Estados Unidos da África como o verdadeiro Estados Unidos. Porém me incomoda quando a provocação vai além e acaba que a proposta seria criar um Estados Unidos de pessoas negras com a sua própria Casa Preta. Eu não gostei da ideia de ter os Estados Unidos como a referência. Eu preferiria que o continente unificado encontrasse outros caminhos e não soasse como uma cópia pintada de uma outra cor. 

O lado descritivo da obra se alonga muito e acaba não permitindo que os desafios ao Rei Bantu não tenham uma contrução. Assim apenas ao final os inimigos aparecem e tudo é resolvido com muita facilidade. O ideal seria à medida que o herói fosse adquirindo relevância mostrasse também os diversos incômodos aparecendo para deixar claro o porquê das reações ao final, trazendo assim uma maior dramaticidade na condução da trama.

O livro é fruto de um roteiro em prosa do baiano Anderson Shon. A partir dele, o baiano Daniel Cesart fez os desenhos de algumas páginas, um trabalho que ficou tão bem feito que é inevitável não se perguntar: por que não quadrinhizar o roteiro inteiro? Além de um lindo traço Cesart tem outras grandes habilidades, como as maneiras criativas de fazer o gradeamento, os diferentes ângulos em que ele mostra as cenas, a escolha e a tonalidade das cores quando estão presentes e os efeitos que ele dá na arte-final. 

Vale ressaltar que a obra é cheia de citações de pensamentos, poesia e música de autores negros. A arte traz referências de momentos clássicos dos quadrinhos de super-heróis além de algumas onomatopéias com uma arte que lembra a arte grafite. Além disso há extras que trazem a tradução do alfabeto ocidental em halisi, língua presente na capa, traz também poemas inspirados no enredo e uma homenagem ao Rei Bantu feito por grandes artistas brasileiros. 

Estados Unidos da África é uma ótima obra tanto nas páginas em quadrinhos como na fluidez do texto da parte em prosa. É uma leitura que trata bem sobre o orgulho de fazer parte de uma comunidade negra. É uma pena que no aspecto narrativo isso acabou deixando a desejar quanto a contrução dos desafios que o protagonista iria enfrentar ao final, o que deixou uma conclusão sem um ápice. Apesar disso é uma leitura que atinge o objetivo de divertir utilizando dos elementos românticos das antigas histórias de super-heróis. 



Ficha técnica: 

Publicado em: outubro de 2023

Editora:
Licenciador: sem licenciador
Categoria: Graphic Novel
Gênero: Super-heróis
Status: Edição única
Número de páginas: 186
Formato: (22,5 x 16 cm)
Colorido/Preto e branco/Lombada quadrada

Preço de capa: R$ 50,00

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