Hulk - a guerra em Trans-Sabal

 


ESSE TEXTO CONTÉM SPOILERS

Quando o Hulk virou um misto permanente de monstro com o cérebro de Bruce Banner nos anos 90, ele foi cooptado pra fazer parte de um grupo de heróis chamado Panteão que viviam no Monte, lá um dos argumentos utilizados pra convencê-lo é que um país estava massacrando a própria população e que aquele grupo existia pra impedir atrocidades como aquela. Assim Hulk e a sua equipe foi ao Oriente Médio pra derrubar essa teocracia, mas a mesma possuía apoio dos EUA. Quando o país soube da interferência do Hulk, enviou o X-Factor, a equipe mutante a serviço do governo. Esse crossover foi publicado pela primeira vez na revista mensal Incrível Hulk números 148 e 149 em outubro e novembro de 1995 pela Editora Abril. 

Peter David faz um arco em quatro partes em que utiliza os quadrinhos da Marvel pra fazer críticas ao imperialismo estadunidense. Trans-Sabal é um país fictício mas que possui semelhanças com alguns países do Oriente Médio como a Arábia Saudita, cuja riqueza está a serviço da família do seu governante enquanto a população amarga sobreviver com o que sobra. Porém não há unanimidade na maneira como o governo é visto pela sua população e há grupos revolucionários que querem tomar o poder. Os EUA está por lá fornecendo armamentos e a tecnologia da SHIELD e faz questão de ignorar completamente as condições sub-humanas e o desrespeito pelos direitos humanos existente ali.

O roteirista coloca o dedo na ferida e pro Bruce Banner está muito claro o lado que ele deve ficar. Em contrapartida está o X-Factor que defende o interesse dos EUA que usa como desculpa para apoiá-lo, convencer o ditador Farnoq a implantar um regime democrático, que se lasque o fato de, para isso, ele utilizar armas estadunidense pra massacrar parte da população que se opõe ao seu governo. O sangue de inocentes é uma "bela" forma de implementar uma democracia. O autor não cita mas sabe-se que no mundo real, o único interesse estadunidense é o comércio de petróleo existente naquelas áreas. 

Apesar do X-Factor visivelmente estar fazendo papel de trouxa, David faz um diálogo interessante entre Hulk e Destrutor, em que esse fala que mesmo discordando de Farnoq, não cabe aos heróis impor aos países a sua noção de como deve ser regido um governo, caberia aos governantes das diversas nações procurarem meios adequados para mudar isso. Quando a conversa está prestes a acabar, Destrutor é lançado como um míssel pelo ditador. 

Peter David deixa claro que há situações em que precisa haver interferência quando o governo já perdeu há muito a noção de civilidade. Por exemplo, além do Destrutor, crianças são amarradas a mísseis e são lançadas em diversos alvos. Um nível de crueldade que além do Oriente Médio também foi visto sendo cometida pelos EUA e países Europeus historicamente em vários países da América, África e Ásia. 

A narrativa desse arco é muito divertida porém eu considero que há algo que não ficou coerente: o excesso de piadas. A história é visivelmente uma metáfora a situações reais e se em uma página a gente é levado a ficar indignado, na página seguinte a gente é levado a sorrir das piadas do Fortão, um humor desnecessário pra proposta do enredo. É bem verdade que esse não quadrinho não tem a intenção de fazer uma crítica sócio-política profunda, os personagens estão ali pra trocar tapas mesmo mas ainda assim ficaria melhor sem tanta piadinha. 

O final desse arco meche com a vida de dois personagens: Lupina e Rick Jones. Lupina foi presa por um dos moradores que idolatra Farnoq, como parte significativa da população, já que ele representa Deus na Terra e todas as suas ações são corretas e deturpadas pelo mundo ocidental (como isso se parece com os anos do governo Bolsonaro!). Lupina tenta convencer o homem a soltá-la sem sucesso, a esposa dele, que fica todo o tempo em silêncio, em um determinado momento golpeia o marido, Lupina consegue se soltar mas o marido esfaqueia a esposa. Completamente levada pela emoção, Lupina mata o assassino e amarga um sentimento de culpa junto com o temor de ser condenada por sua crença nos valores católicos. Rick Jones passa por algo similar, vestido com a armadura de um dos soldados do Farnoq, percebe que a população vai ficar do seu lado após todos os absurdos que ele cometeu vir a público. Por isso, ele se revolta com essa impunidade e resolve matar o líder de Trans-Sabal. As consequências da atitude dos dois personagens atormentaram ambos nas aventuras posteriores a isso. 

Esse arco é muito feliz com os seus desenhistas: Dale Keown, Kevin West e Tom Raney que fogem da padronização de sucesso dos X-Men na época e mantém um padrão Marvel sendo que um pouco mais detalhado com um ótimo resultado. 

O arco que eu comento nesse texto não teve um título único na tradução da Editora Abril, por isso eu deixei como guerra em Trans-Sabal. Um ótimo crossover entre Hulk e X-Factor que vai além da luta clichê e acaba tocando em críticas relevantes sobre o posicionamento dos EUA nos países sem um regime democrático. É muito bom ver o resgate do Hulk como o herói que mete o dedo na ferida dos EUA através da condução interessante do roteirista Peter David. 



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