Sobre Saltos e Absurdos e Outras Histórias

 


Essa é a primeira edição das quadrilogia do cearense Daniel Figueiredo e também o quadrinho que estréia o Selo Guilhotina, uma Editora da quadrinhista paraibana Thaïs Gualberto. A Editora entra no mercado com uma obra que tem uma proposta ousada: misturar uma linguagem poética com reflexões cotidiana ilustrada com uma arte inspirada em fotografia. Tudo isso dá a impressão de ser ou algo muito pretensioso ou uma obra voltada para um público específico e escasso. Apesar do quadrinho ter sido registrado no ano de 2022, foi a partir de março de 2023 que os apoiadores do financiamento coletivo começaram a receber os seus exemplares. 

Antes de falar sobre a obra, é preciso realmente falar de mim como leitor para que você entenda de onde está saindo esse texto. Eu sou uma pessoa que não gosta de poesia, tenho dificuldade de entender essa linguagem muito metafórica e pouca paciência para buscar em mim as sensações que poderiam me levar a compreender as mensagens do autor. Por outro lado, eu gosto de música muito pela letra, mesmo aquelas que eu não entendo e também daquelas que eu penso compreender. Já a fotografia é para mim uma arte que me faz sentir, apesar de nunca ter lido nada a respeito dessa maneira de expressão, mas gosto de ver. 

Agora já posso falar da experiência da leitura. Sobre Saltos é uma obra que eu consegui me imergir com facilidade. A intensidade da expressão imagem e palavras ocorreu para mim de uma maneira tão diferente que parece que eu estava lendo uma outra coisa que não era uma história em quadrinhos (ou várias histórias em quadrinhos). Figueiredo consegue ser muito claro na sensação de reflexão que ele pretende causar ao leitor e consegue fazer isso de maneira acessível sem parecer piegas. 

A história que dá título ao livro nos convida a entrar dentro do personagem, um momento que ele está ali só consigo e seus pensamentos e assim ele pode perceber melhor cada um dos sentidos. Entre uma tragada do cigarro e um gole de bebida, a imagem de uma pessoa querida aparece de maneira inevitável. Entre poucas palavras ou quadros silenciosos, é possível ver muito mais que luz e sombras. É possível sentir a angústia do personagem e o seu pesar. 

Andróide Sem Par é um conto que me lembrou a época quando o isolamento social foi mais intenso. Em 2020, o temor que a pandemia trazia nos fazia ter medo de contato com qualquer pessoa e eu lembro de propor aos amigos encontros virtuais em que a gente poderia beber e conversar. Hoje isso parece ser mais um conto distópico, mas a leitura me fez lembrar de algo que eu cheguei a viver e, por isso, eu compreendo tanto a personagem que marca um encontro virtual. 

Um Like é Bom mais uma vez trata da vida moderna em que a gente tem a mania de dizer não se importar com as próprias publicações nas redes sociais mas ao mesmo tempo está ali, curiando a repercussão que a sua publicação teve. Essa é uma contradição que é mais frequente do que a gente imagina porque a gente não quer dar o braço a torcer com o fato de que, em alguma intensidade, o que a gente gostaria mesmo é de ter um gostinho de ser um influenciador famoso por alguns minutos. 

Os desenhos da obra é uma arte pintada em cima de fotografias e cujo preto e branco realçam bastante a narrativa e o gradeamento lembra recortes e colagens de fotografias. Porém é possível perceber que o autor faz as modificações nos desenhos para chegar ao ponto que interessa para a ideia da história. Por isso, mesmo quando há pouco texto, é possível perceber as sensações dos personagens mesmo no seu silêncio. 

A HQ foi publicada em papel offset que possibilitou uma leitura que evitasse reflexo excessivos dos papéis brilhosos que muitas das editoras insistem em colocar na maioria das obras. A capa cartão com orelhas contribui para o conforto tanto de olhar quanto de pegar no livro.

Sobre Saltos e Absurdos e Outras Histórias mostra que o Selo Guilhotina estreou muito bem com um excelente quadrinho que tem uma proposta ousada mas que não exige do leitor uma quantidade absurda de referências prévias para a leitura. O que é necessário é ter maturidade suficiente para entender a beleza dos momentos reflexivos da vida e que não necessariamente você precisa estar desesperado ou ter uma epifania pra perceber; basta parar, sentir, pensar e curtir! Essa é uma obra para leitores maduros mas que eu gostaria de presentear para antigos leitores de quadrinhos que perderam a esperança de se surpreender com a nona arte. 

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Ficha técnica: 

Editora: Guilhotina
Acabamento: capa cartonada com orelha
Cor do miolo: preto
Formato: 17 x 24 cm
Páginas: 60
Edição:
Ano: 2022
Idioma: Português
Classificação: não disponível
Categorias: quadrinhos

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