Hamaguchi acabou de concluir um curso técnico de desenho industrial e consegue um emprego numa empresa, pena que o seu trabalho não envolvia fazer desenhos, que é o que ele mais gostava. Além de ter que se ocupar com pedidos e entregas, lá ele tinha a missão de vigiar a filha do chefe que estava sendo acusada de trair o marido. É nessa confusão que o jovem, que não tinha nada a ver, que ele sai da empresa, a sua sorte é o destino colocar-lhe numa editora de quadrinhos, onde logo ele passa a finalizar desenhos. Esse é um quadrinho que tem uma dose de relato auto-biográfico e é o terceiro do Taniguchi Jiro pra Editora Devir. O mangá saiu pelo Selo Tsuru em novembro de 2021.
A obra nos permite conhecer detalhes sobre a vida de um quadrinhista, inclusive a desmistificar a ideia romântica de quem sonha em viver apenas da sua arte com quadrinhos. O Japão continua a ser um dos pólos mais importantes da indústria da nona arte e ainda tendo várias editoras e uma enorme produção, apenas o talento não garante de imediato uma vida economicamente estável. Hamaguchi trabalha com uma equipe que faz o cenário das páginas, mas quem recebe os créditos é apenas o criador da história que é quem faz o desenho dos personagens, um dos criadores é Kikushi, um mala que se comporta como estrela e só pisa no estúdio aqui e acolá. Ele estabelece uma relação dúbia com o protagonista dessa história, ao mesmo tempo que enche o saco, é ele quem insiste no amadurecimento do personagem que está entrando agora para a vida adulta.
O título Zoo no Inverno remete a uma ideia de que a história é uma reflexão a partir de uma visita no zoológico, contudo o título tem mais um sentido figurado de um aspecto importante mas discreto da onra. Aliás a discrição é um ponto chave para a condução da história, toda a narrativa é conduzida como se fosse apenas a retratação do cotidiano de um artista, a reviravolta é que o autor passa a focar numa história romântica. Esse é o ápice da leitura, quando a gente se identifica tanto com o personagem que a leitura nos permite sentir uma certa angústia. Ainda que isso soe algo negativo, na verdade sair com as sensações dos personagens é a meta de uma obra de arte e Taniguchi atinge isso com maestria.
O traço é limpo e expressivo, ainda que seus personagens passem o sentimento com uma intensidade agradável que me agrada, quer dizer, sem o excessivo apelo dramático. Isso permite que a gente compreenda vários detalhes típicos da cultura japonesa e a personalidade tímida de Hamaguchi. Eu fiquei surpreso, por exemplo, com o tempo de trabalho da equipe que varava madrugada a dentro para terminar as páginas dentro do prazo, o que me levou a me perguntar sobre como são feito os contratos de trabalho dentro das editoras japonesas.
Zoo no Inverno é um ótimo quadrinho que traz uma narrativa bem oriental, ou seja, que não se sustenta em grandes reviravoltas para manter o interesse do leitor. Ainda que seja um enredo simples, o autor consegue passar muito bem a emoção dos personagens além de trazer curiosos detalhes da produção de mangás no Japão. Um quadrinho que eu indico para pessoas que buscam narrativas que fogem das fórmulas típicas de contação de histórias.
Ficha técnica:
Editora Original: Shogakukan
Roteiro e arte: Jiro Taniguchi
Tradução: Arnaldo Oka
Formato: 17 x 24 cm
Lombada: 1,5 cm
Estrutura: 236 páginas, PB
Acabamento: brochura com sobrecapa
Peso: 430 g
Público: adulto
Preço: R$ 55,00
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