Um museu desaba após uma escavação que ocorria abaixo do prédio sofrer uma enorme infiltração. Os escombros revelam ossos recentes de uma pessoa desconhecida. O local é de propriedade de uma família de bilionários, os Luscombe. Assim, a família contrata Júlia Kendall para atuar como consultora para investigar a possibilidade de um crime ter ocorrido lá, isso porque um escândalo poderia por em risco as empresas da família que sofreriam uma grande queda na Bolsa de Valores com a repercussão. Ao mesmo tempo, Júlia também trabalha para a polícia que investiga quem poderia ser a pessoas cujos ossos foram encontrados. Esse arco saiu nas edições 9 e 10 da revista Júlia aventuras de uma criminóloga publicadas pela Editora Mythos em agosto de 2020, editora que traduz os fumetti da Sérgio Bonelli Editore, esse arco foi publicado originalmente em junho e julho de 1999.
O roteiro é de Maurizio Mantero e o argumento é de Giancarlo Berardi. Enquanto o roteiro detalha os acontecimentos da história ao desenhista, o argumento traz o texto que será lido pelo leitor e sobre isso eu preciso fazer dois comentários. O primeiro dele é sobre a retratação de Emily, a empregada doméstica de Júlia que é estereotipada de tal forma que chega a incomodar. Ela é a personagem que é o alívio cômico com o seu jeito espontâneo de falar e com o cuidado excessivo que ela tem com a sua empregadora. Emily diverte-se ouvindo Bob Marley ou reassistindo a mini-série sobre escravidão Raízes que fez muito sucesso na época. Aliás ela sabe tudo sobre tráfico de escravos, inclusive o nome de famílias que participaram dessa atrocidade. Mas só isso, ela não demonstra um outro interesse fora isso! Além disso, ela é a personificação da fantasia branca de que as secretárias do lar são "quase um membro da família e se pudesse não sairia nunca de seu lugar de trabalho" a Júlia até questiona se ela não voltaria pra casa mas ela nem responde, só continua o seu trabalho satisfeita. Essa é a visão limitada de Manfredi sobre os negros, algo que não ocorre apenas nesse arco mas em várias das edições desse quadrinho. A outra personagem negra está com um relacionamento esporádico com o amigo de Júlia Leo Baxter, ela está com o seu corpo à mostra despertando o desejo no leitor. Essa representação do negro é muito comum nas diferentes mídias, quando eles aparecem, geralmente é para ser um alívio cômico ou ter um corpo desejável, uma herança do período escravagista. Isso possibilita que a gente compreenda o ponto de vista do autor sobre assuntos com os quais ele não precisa preocupar-se em pesquisar já que isso reflete também a visão do editor desses quadrinhos, uma visão que também é comum entre as diversas mídias feitas por gente branca que não vai além do estereótipo. Por falar nisso, um outro momento de incômodo foi quando Júlia vomita uma série de intimidades a um escultor, especialista em retratar corpos e rostos a partir de parte dos ossos de um cadáver. Ele se recusa a ouvi-la e frustrada ela expõe o seu perfil psicológico e a sua complicada relação familiar a partir da análise que ela faz da mobília da sua casa. Júlia é retratada aqui como uma psicóloga irresponsável que usa os seus conhecimentos como arma de convencimento das pessoas e não sente nenhum remorso por isso, como mostrado explicitamente na edição seguinte. Ainda que Berardi demonstre conhecimento em psicanálise, ele retrata sua personagem utilizando seus conhecimentos de maneira anti-ética como se fosse algo comum entre esses profissionais.
As histórias de Júlia é sobre mistério e, apesar desses detalhes, ele as conduz muito bem. A história inicia propositalmente tranquila até demais e os acontecimentos posteriores vão se mostrando perigosos e o leitor fica tão atônito quanto a protagonista com a complexidade que a trama vai se tornando, para chegar a uma resolução em que todos os detalhes são explicados a contento.
Os desenhos são de Giancarlo Cacaruzzo na edição 9 e de Valéria Piccioni, Maurizio Mantero e Enio na edição 10. A primeira parte do arco não me agrada. Cacaruzzo resolveu usar muitas sombras para retratar o clima de tensão inicial mas acabou deixando as cenas confusas. No decorrer da trama o seu traço melhora e vai ficando agradável. Já na segunda parte, o traço é limpo e bem claro (tanto no sentido conotativo quanto no denotativo). Um traço armônico e que vale a pena a apreciação.
Júlia Ecos do Passado e o Ex-Combatente é um ótimo arco de uma história de detetive que tem na sua construção narrativa uma tensão crescente e uma excelente resolução. Apesar dos autores cometerem erros em aspectos da retratação de personagens, eles acabam trazendo uma história divertida que possibilita ao leitor mergulhar na tensão e na dúvida vívidas pela personagem, um mistério muito bem delineado e que traz uma solução brilhante à altura.
Tradução - Júlio Schneider
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