Quando eu li o primeiro volume dessa obra, encontrei uma história bem escrita de ficção científica que trabalhava bem o enredo que envolvia realidades alternativas, um conceito que tende a trazer péssimas histórias confusas. Eu já estava satisfeito com a forma como Rick Remender estava conduzindo a história, mal sabia eu que viria encontrar nesse volume um quadrinho muito mais complexo do que eu esperava tanto com os seus personagens quanto na profundidade de questões existenciais e epistemológicas.
A história passa tanto na continuidade de acontecimentos do presente quanto nas lembranças da família do protagonista Grant McKay e durante a leitura, logo sou tomado pela estranha sensação de vibrar com a atitude do personagem e passar a odiá-lo algumas páginas depois. Isso porque o autor privilegia o caráter humano dos seus personagens levando a gente se perder em qualquer ideia pré-concebida de quem seria os heróis e os vilões da história já que as atitudes dos personagens são justificáveis à medida que a gente vai conhecendo as suas motivações. Ao mesmo tempo que a gente acompanha um grupo de cientistas que quer salvar vários mundos, essa atitude gera a morte de muitas outras. Qual a atitude mais lógica? Barrá-los! Essa dicotomia atinge os personagens não apenas enquanto grupo mas as decisões de cada um deles. Essa complexidade nos deixa confusos inclusive nós sentimentos que cada um desses personagens vão cativando.
Além dos conceitos da moral dos personagens, um outro aspecto que o quadrinho traz é a solidão do pesquisador. A ciência exige um isolamento para que a pessoa se dedique ao objeto de pesquisa. Isso me fez lembrar de um professor que orientou uma colega e eu numa pesquisa sobre Carência Afetiva, foi quando ele nos explicou sobre essa solidão do pesquisador e se estávamos dispostos a pagar esse preço para dar continuidade a esse projeto de pesquisa. Grant Mckay teve que se afastar da sua família para desenvolver uma maneira de evitar que as intempéries da vida levasse a um intenso sofrimento cada membro dela. Contudo isso o fez distanciar-se e a solidão o trouxe sentimentos com os quais ele não sabia lidar. Aqui o quadrinho nos leva a refletir sobre até onde vale a pena ir atrás dos nossos sonhos pessoais a ponto de abandonar a própria vida. É esse o grau de complexidade que me surpreendeu e me fez lembrar e pensar em várias coisas durante a leitura. Ainda que só lendo esse texto isso pareça clichê, é a beleza do texto de Remender que deixa isso tocante.
Entretanto engana-se se você acha que a história passou a ser uma grande crise existencial de um personagem sentado em cima de uma pedra. O quadrinho consegue associar bem toda a profundidade dos personagens com o dinamismo de situações de perseguição e ainda trazer um recheio de reviravoltas. Até porque seria um desperdício para o talento do desenhista Matteo Scalera cujo traço casa muito bem com uma sequência bem corrida e uma luta no meio disso. Os personagens precisam solucionar com urgência o vírus que eles disseminaram antes de serem mortos e a gente sente essa urgência na trama.
Black Science já havia conquistado a minha apreciação por ser uma ficção científica com um roteiro bem divertido. Entretanto o terceiro volume me surpreendeu com a complexidade dos personagens, mostrando-se como um quadrinho reflexivo a ponto de tocar inclusive em questões da epistemologia, o mais incrível é que tudo isso sem deixar de ter vários momentos com cenas de aventura e perseguição. Por isso que eu indico essa excelente obra para qualquer leitor adulto independente da sua formação acadêmica.
Ficha técnica:
Formato: 17 x 26 cm
Estrutura: 136 páginas, miolo colorido
Acabamento: brochura
Área de interesse: ficção científica;
aventura, magia, Image
Público: adulto
Preço: R$60,00
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