"Lancem mais quadrinhos em formato omnibus, tá pouco!"

 



"Festa estranha, com gente esquisita, eu não tô legal" essa letra de Renato Russo para a música Eduardo e Mônica expressa bem a sensação que eu senti nos dois últimos AoVivo da Editora Panini sobre os lançamentos de setembro de 2021. Os comentários durante toda a transmissão era basicamente pedido de lançamentos de quadrinhos no formato omnibus. Hoje um quadrinho desses custa em média entre R$ 250 a R$ 300. Nos grupos de quadrinhos é possível ver leitores ostentando compra de alguns omnibus entre vários outros quadrinhos numa mesma compra. Essa é uma realidade tão distante da minha, ainda que eu tenha um emprego estável, que eu decidi parar de assistir essas transmissões. 

A leitura só faz sentido se for feita com prazer, assim é preciso associar um conteúdo que você se afinize com um formato que você possa desfrutar melhor a experiência da leitura. O mercado brasileiro de quadrinhos, que conta com um número cada vez menor de leitores, está exigindo edições encadernadas em capa dura (não importa o preço). O que deixa transparecer é que os poucos leitores dispõe de uma renda alta e que prima pela qualidade da edição impressa. Contudo, os quadrinhos com capa dura são feito para lerem sentados numa mesa e são mais úteis para enfeitar uma estante. Ler deitado ou sentado numa cadeira comum é desconfortável com esse tipo de gibi pelo peso do livro e pelo risco de derrubá-lo e danificar a lombada. Os melhores livros são os macios, os dobráveis seja com lombada quadrada ou canoa com grampos. Uma história bem escrita e desenhada nesse formato é uma experiência maravilhosa a ponto de a gente querer se isolar de todos só para curtir esse prazer solitário. 

Se um livro em capa dura de 120 ou 200 páginas tira o prazer de uma leitura descompromissada, imagina um livro de capa dura de 600 ou 800 páginas! O que se perde em leitura, ganha-se no prazer de olhar para esse livro numa estante. Mas vale a pena substituir uma coisa pela outra? Isso depende muito sobre o que lhe motiva a comprar algo. Para mim, não faz nenhum sentido eu ter um livro e não lê-lo, já que esse é o meu objetivo principal. Para outras pessoas quadrinhos são uma peça de bibelô que indica que a pessoa em algum momento foi um apaixonado pelas histórias em quadrinhos e aquela estante preenchida tem o valor de um troféu que premiou uma vida dedicada a leituras (mesmo que atualmente a pessoa não tenha o menor interesse em ler aquilo). 



Indo além do formato, é preciso falar necessariamente do preço. Na década de 90 que encerrou a era pré internet, livros e revistas em formato físico foi um passatempo utilizado por muitos leitores. Assim as bancas de revistas era o ponto em que tinha material acessível e por isso as editoras poderiam fazer tiragem de 100, 200 ou 500 mil exemplares. Em 2021 continuamos lendo mas basicamente pela tela dos nossos celulares e, pela quantidade de leitura grátis disponível, é um número bem menor de pessoas dispostas a pagar por leitura, o que encarece muito os quadrinhos que dispõe atualmente de um público pequeno. 

Os leitores de quadrinhos é um nicho decrescente de um público com poder aquisitivo alto. Os garotos dos anos 90 que ainda lêem vivem o seu ápice profissional e possuem verba suficiente pra serem exigentes com os seus prazeres. Fora dessa maioria privilegiada há uma minoria (na qual eu me encaixo) que dispõe de uma baixa verba mensal pra manter o seu prazer de ler, uma verba capaz de comprar um número cada vez menor de exemplares. 

É natural que o mercado se adeque ao seu público e quem não pode fazer parte disso, vai ficar de fora. Ainda que eu entenda essa lógica excludente, causa em mim uma frustração em saber que o mercado brasileiro é tão pequeno que, se um quadrinho está sendo lançado num formato de luxo, já era! Se você tiver sorte, daqui há 10 anos apareça um formato econômico pra você comprar ou aceite que você não vai ter aquilo. Um exemplo disso é o omnibus do Homem Animal, quando haverá uma oportunidade em que eu possa comprar aquelas histórias em capa cartão com preço acessível e sem extra inútil? Quando eu que sou fã do Hulk poderei ler a Saga da Encruzilhada num outro formato? Estarei vivo para descobrir?

A realidade do mercado de quadrinhos é bem distante da minha e é por isso que eu preciso frequentar outros ambientes com outras pessoas. Fora do universo dos heróis, temos a Editora Mythos que com uma boa frequência disponibiliza bons materiais pela metade do preço (inclusive omnibus em capa cartão, não é lindo?). Hoje temos a Editora Guará com uma revista mensal mix só com quadrinhos brasileiros por R$ 25 na assinatura mensal. Isso sem mencionar os quadrinhos digitais (pra quem tem computador ou tablet) das Editoras Conrad e Panini com preços entre R$ 5 e R$ 30. É essa a festa que me cabe com a possibilidade de aqui e acolá me aventurar por quadrinhos entre R$ 50 e R$ 80. O fato é que Marvel e DC não  precisa continuar sendo o centro do meu universo e que desfrutar do prazer de ler quadrinhos é possível fora dos omnibus de R$300. 


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