O Pacificador é um herói criado pela editora extinta Charlton Comics em 1966, após uma rinha judicial seus principais personagens passaram a fazer parte da DC Comics, que é detendora dos seus direitos até hoje. Alan Moore quis utilizar todos esses personagens na mini-série Watchmen mas a editora recusou, afirmando ter outros planos para o personagem. Em 1988, a editora publica a revista mensal do personagem, cujo primeiro arco vou comentar aqui. No Brasil esse arco saiu pela revista DC Especial número 6 em 1991. Em breve o herói vai fazer parte dos personagens do filme do Esquadrão Suicida e terá um seriado seu.
O Pacificador é um herói essencialmente contraditório, uma das suas frases de impacto é "Eu mato para manter a paz!" Matar é um recurso que só deveria ser usado quando tudo o mais falhar e que costuma servir apenas para ampliar o número de vítimas sem trazer solução alguma. É essa a contradição do personagem e também é a essência desse quadrinho.
O fato de ele ser um soldado que viveu os horrores da guerra deixou a sua cabeça completamente perturbada. Como ele atuou de forma exemplar, o governo estadunidense investiu num tratamento mental para ele. Contudo, nem só de boas decisões vivem os agentes de segurança, após a sua recuperação, o governo resolve inclui-lo no "Projeto Pacificador" em que ele receberia um capacete capaz de emitir ondas sonoras agressivas e controlar a distância todos os equipamentos da sua nave. É óbvio que é péssimo colocar uma pessoa numa atividade que é gatilho para ativar o seu transtorno mental. Christopher Schmit, o Pacificador, desenvolve esquizofrenia e acredita ver a presença do seu falecido pai, um nazista que suicidou na sua frente quando criança. Ele vê o seu pai continuamente debochando dele, afirmando ser uma fraqueza moral o fato de ele não chegar logo matando onde os crimes estão acontecendo. Além disso, essa visão o instiga continuamente a cometer suicídio por considerá-lo uma pessoa imprestável.
É esse o herói que o governo confia armamento para a sua proteção e o coloca de forma direta para solucionar um ataque terrorista que envolve a União Soviética (lembre-se que a HQ é de 1988!) e os EUA. Na época em que o quadrinho foi lançado, o mundo vivia o temor de uma Terceira Guerra Mundial e o roteirista Paul Kupperberg aproveita pra inserir isso na história. Cabe ao Pacificador impedir que o poderio Soviético seja destruído com uma série de conflitos internos e assim o maligno Tzin assumiria o poderio dos países a leste do mundo. Se o roteiro evita um posicionamento entre os polos da Guerra Fria, ele não deixa de ter elementos estereotipado que reforçam preconceitos. O vilão é um oriental que tem um negro como braço direito, algo comum nos quadrinhos que costumavam transformar em vilões ou figuras cômicas todos os que não estivesse no padrão homem-branco-heterossexual. Agora imagina o quão tenso é acompanhar um protagonista resolver um incidente internacional que pode levar a uma guerra sendo que ele está prestes a ter um surto psicótico!
A complexidade desse personagem tornou a história muito interessante e a todo o momento o leitor sente o temor de que tudo vai dar errado assim como o pessoal da agência de segurança que está mais próximo ao Pacificador. Os desenhos de Tod Smith são ótimos, ainda que siga o estilo padrão da época, ele consegue fazer um trabalho a altura do roteiro com seu estilo detalhado, além de trazer um enquadramento criativo em algumas páginas.
A minha dúvida atual é sobre como esse herói será retratado no cinema ou no seriado. O público das telas estão valorizando ideias de desconstrução de super herói, por outro lado, os ideais de extrema direita ainda estão muito presentes em diversas camadas populares. Isso é um prato cheio pra um público assim vibrar com um pai nazista que incentiva o filho a ser um assassino irresponsável. Nós estamos falando de uma sociedade em que um número significativo de pessoas acha plausível a solução de Thanos de matar metade da população. Uma sociedade que vê o Coringa como refém da sociedade e um líder inspirador ainda que o filme tenham deixado claro que suas atitudes tinham motivações mesquinhas. O Brasil elegeu um presidente com inúmeros apoiadores que consideram o Capitão Nascimento de Tropa de Elite como ídolo, ainda que o personagem sofra de transtorno mental pela pressão de ser um assassino e torturador. Será que os roteiristas dessas adaptações pensam a respeito disso? Quando eu li esse quadrinho ainda pré-adolescente, era muito claro os conceitos de bem e mal. O Pacificador não era visto como um ídolo mas como uma pessoa que apesar de ser um problema ambulante, havia uma equipe monitorando e disposta a ajudá-lo. Nos dias de hoje, temos pastor de TV orando para que pessoas morram. Essa é uma sociedade cujos valores estão deturpados na sua essência. Ainda que o Pacificador seja um retrato disso, um roteiro ruim pode servir de um reforço a ideias intolerantes e instintos assassinos.
O primeiro arco de Pacificador do final dos anos 80 é um excelente quadrinho que é diversão garantida. Eu espero que a Editora Panini republique a história pouco antes da estréia da série. Um personagem complexo que transfere ao leitor toda a tensão que existe de uma arma em mãos das pessoas erradas. Essa é uma leitura que tanto reflete sobre a contradição de matar em nome da paz quanto traz uma contextualização histórica dos tempos da guerra fria.
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