O Retorno do Messias - Versículo 1

 


A ideia inicial do roteirista Mark Russell era lançar esse quadrinho pelo selo adulto Vertigo da DC Comics, contudo o enredo gerou tanta polêmica que a editora se recusou. Assim, ele e o desenhista Richard Pace resolveu lançá-lo nós EUA pela Ahoy Comics. No Brasil, a editora Comix Zone lançou o quadrinho em 2021. 

 Deus sofreu uma grande decepção com a humanidade quando viu que ela assassinou o seu Filho, por isso resolveu deixar que os homens se virassem por aqui até que um dia ele viu que o mundo estava cheio de heróis violentos que faziam justiça entre eles por conta própria e com muita violência. Jesus há muito queria retornar mas Deus considerou que esse era o momento ideal. Por isso, enviou o seu filho para o herói Solar o instruir sobre como lidar com as pessoas, mas como um pacifista convicto, como Jesus iria se convencer a resolver os problemas na base do tabefe? 

 O primeiro grande impacto que eu tive com a leitura foi logo com o prefácio de Mark Russell em que ele aproveita pra falar sobre a polêmica dessa obra ser uma blasfêmia e mostra que essa é uma obra que não pretende em nada parecer real. Isso permite que ele imagine como seria a interação dele com super-heróis já que eles têm formas antagônicas de fazer o bem. 

O roteiro é hilário em sua maior parte porém possui muito respeito com a mensagem real de amor deixada por Jesus Cristo para diminuir o sofrimento das pessoas na terra. Ao mesmo tempo que a história nos tira doces gargalhadas ela nos faz refletir com a reação de Jesus a tanta violência justificada com o seu nome e das pessoas que estão acumulando fortunas dizendo-se líderes espirituais e aproveita pra questionar o papel do super-herói que está por aqui há mais de 80 anos e não diminuiu em nada os crimes e a violência. A trama vai muito bem no início e no desenvolvimento porém não consegue manter o mesmo ritmo ao final, contudo há tanto de divertido e profundo nessa HQ que esse detalhe citado não compromete a qualidade do material.

As ponderações do autor nos faz questionar como seria caso o Messias (Jesus Cristo e não o irresponsável que preside o Brasil) retornasse de fato. Como seria a reação das pessoas a alguém que diz "Eu vim para que todos tenham vida e a tenha em abundância." (Jo 10, 10) se cristãos comemoram o assassinato de pessoas e pregam o uso de armas de fogo como meio de defesa? Ou se falasse algo do tipo  “E quando Jesus ouviu isto, disse-lhe: Ainda te falta uma coisa; vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; vem, e segue-me.
Mas, ouvindo ele isto, ficou muito triste, porque era muito rico.” (Lucas 18:22,23) É claro que ele seria acusado de doutrinar pessoas pro comunismo e destruir a família, já que a pessoa estava sendo convidada a abandonar a sua para segui-lo. O cristianismo deturpado que muitos seguem suplica o perdão pelos próprios pecados com versículos do Novo Testamento mas é implacável pelos pecados do próximo utilizando trechos do Velho Testamento. A essência do termo "cristão" deveria fazer com que eles se guiassem pelas mensagens de Jesus Cristo contidas nos quatro Evangelhos, quem sabe o humor dessas pessoas não fossem tão ácido e eles não ficariam tão satisfeito com tortura e morte. 


 

Os ensinamentos que essa figura bíblica deixou são admiráveis e não precisa ser uma pessoa temente a Deus para perceber isso, mas como esse quadrinho faz questão de mostrar, as pessoas se impressionam com os milagres ou a ameaça de ir para o inferno quando a mensagem mais importante está em amar o seu próximo como a si mesmo. E é claro que o próximo não se limita ao cristão heterossexual mas que todas as pessoas devem ser valorizadas independente das suas ações, cores, religiões (ou desdescrenças), sexualidade e ideologia. Assim possivelmente pessoas não iriam querer matar e destruir autores de obras como essa mas se permitir entender as ideias do autor ou simplesmente ignorar a obra. 

Essa é uma hq que gera um deslumbramento tanto no roteiro quanto nos desenhos. O desenhista Richard Pace tem um estilo detalhado e sujo que é tão expressivo que os desenhos em si são capazes de tirar gargalhadas. As capas são de Amanda Conner mas teria ficado melhores se tivesse sido de Pace. O artista utiliza o seu traço como aspecto narrativo quando ele muda o seu estilo propositalmente. Quando a cena se passa no Céu ou relembra passagens da Bíblia, ele utiliza um traço que lembra filmes de época. Quando a trama ocorre no mundo de Solar o traço é limpo e simples muito próximo aos quadrinhos de heróis. 

Eu quero dar um destaque também a tradução de Érico Assis. Além de grande parte das piadas funcionarem, ele estava solto pra usar o palavrão que quisesse e tirar muita onda dos quadrinhos de heróis. Cada detalhe da obra é imaginado para tirar muitos risos e a versão em português aproveita muito bem termos, figuras brasileiras e memes atuais. 

O Retorno do Messias é uma excelente obra que consegue nos fazer rir de sacadas da Bíblia que Mark Russell conseguiu ver, além de ironizar muita coisa do universo dos super-heróis que tanto amamos. Contudo apesar de ser uma obra de humor, faz reflexões sérias e não tem uma imagem de deboche à figura de Jesus Cristo, pelo contrário as suas reflexões nos permitem lembrar sobre os ensinamentos que são realmente importantes e que são constantemente ignorados por vários dos seus seguidores. Para você que entende que essa é uma obra inspirada numa figura religiosa e não é ela em si, leia e divirta-se com esse quadrinho, só lembre-se que é uma obra destinada para um público adulto com ou sem experiência com quadrinhos.

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