O espanhol Paco Roca concebeu essa graphic novel que mostra como é a vida de um idoso num asilo. A obra ganhou os prêmios Nacional del Comic em 2008 e venceu nas categorias de Melhor Roteiro e Melhor Obra no Salão Internacional de Quadrinhos de Barcelona em 2008, além do Prêmio Goya de Melhor Roteiro em 2012. A editora Devir publicou a HQ em 2017 e traz a segunda edição em 2021.
Emílio é um bancário aposentado que passou a ter uns lapsos de memória, sintoma que seria apenas o início da manifestação do Mal de Alzheimer, por isso o seu filho decide interná-lo num asilo onde terá profissionais treinados e atendimento médico para a sua condição. Lá ele conhece Miguel, um residente que não tem esposa e nem filhos. Esse conhece o asilo como ninguém, ele está sempre disposto a ajudar qualquer um outro morador e aproveita pra ganhar uma grana dos demais. Ele divide o quarto com Emílio e acaba sendo um dos poucos que têm mais disposição pra fazer alguma atividade e refletir sobre o sua condição.
À primeira vista, tem-se a impressão que a obra conta uma história melodramática bem clichê de idosos esquecidos por suas famílias e abusados nos asilos. Contudo Paco Roca vai muito além do óbvio e nos leva a adentrar numa realidade que a gente dificilmente se depara ou para pensar a respeito. Miguel mostra a Emílio a instituição e a gente vai conhecendo junto com o protagonista esse mundo e descobre a existência do temível segundo andar. É lá para onde vão as pessoas com comprometimento maior e que são dependentes de maiores cuidados.
Roca tem uma grande habilidade em contar histórias e sabe dosar o aspecto dramático com o humor e ainda consegue inserir elementos de aventura. Contudo a essência da obra é levar o leitor a pensar na condição do que é ser uma pessoa idosa. Ao olhar para o idoso é inevitável que o familiar imagine o trabalho crescente que ele vai dar com os cuidados de saúde e readaptações a sua condição física. Passa-se a olhar aquela pessoa como um fardo e esquece-se a importância que ela teve para tanta gente enquanto ela estava trabalhando ativamente.
Nós estamos vivendo uma pandemia de Covid 19 e uma das reações iniciais para convencer a população de que não seria algo tão grave foi: vão morrer APENAS idosos. Como se pessoas fossem copos descartáveis. O vírus portanto não deveria atrapalhar o cotidiano para não gerar impactos na economia. Em outras palavras, que morram os velhos, o que não pode haver é falta de dinheiro circulando. Esse sentimento vil foi apenas escancarado. O mundo ocidental tem como modelo o "jovem", é ao seu vigor que a propaganda garante a credibilidade para convencer pessoas a comprar os seus produtos, ele é um modelo de vida que todos devem ambicionar. Isso está muito longe de outras culturas que vê o idoso como fonte de sabedoria. A visão ocidental determina que as pessoas são como a tecnologia, uma peça que está sempre sendo substituída por uma mais eficiente. Contudo o que se evita pensar é que a tendência natural da nossa vida é que a gente chegue a esse ponto do "descartável", por isso procuramos esconder qualquer indicativo de envelhecimento com tônico capilar, tintura, botox e cirurgias.
A sensação que eu tive ao ler o livro foi um susto. O autor já nos impacta com a ideia de que os internos estão ali apenas para comer e dormir e como se não fosse possível desfrutar da vida de uma outra forma, uma visão que limita as possibilidades da existência. No decorrer da história, vemos que o protagonista faz ali amizades que não aceitam essa condição e procuram formas de desfrutar a vida dentro do possível. Além disso, uma condição de vida que para a gente parece ser bem limitada, esconde ali detalhes e emoções muito intensas que somos capazes de perceber apenas quando conhecemos melhor a vida de cada um deles. A obra é fruto de um trabalho de pesquisa feito pelo autor que foi entrevistar idosos em diferentes instituições para criar os seus personagens.
O estilo do desenho de Paco Roca é simples mas muito marcante, seus personagens conseguem demonstrar com poucos traços diversas emoções. Eu destaco uma situação de um idoso que não se move mas que ao escutar uma palavra ele parece sorrir. O detalhe que demonstra isso é tão sutil mas que consegue fazer com que a gente perceba a situação acontecendo. Roca possui demonstra uma incrível habilidade narrativa que fez com que meus olhos ficassem umedecidos ao final da história.
Rugas é uma excelente graphic novel que eu indico para todos e especialmente para o leitor mais jovem que evita pensar sobre a sua própria velhice ou no envelhecimento das pessoas que ele ama. Rugas me fez rir, torcer pelos personagens mas o mais importante foi me fazer pensar sobre como será o meu processo de envelhecimento ao me aproximar das histórias dos personagens que estão ali e que a gente percebe são muito mais do que apenas pessoas "senis".
Ficha técnica:
Editora original: Delcourt
Roteiro e arte: Paco Roca
Tradução: Rui Santos
Formato: 20 x 26 cm
Estrutura: 104 páginas coloridas, papel
offset 120 g
Acabamento: capa dura
Área de interesse: drama,
envelhecimento, Alzheimer
Público: adulto
Preço: R$72,00
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