Os quadrinhos são uma forma de expressão que interage a visão e a leitura. É até possível incluir o som com as onomatopéias e o uso de canções, agora utilizar cheiro é algo inusitado e bem complicado de inserir como elemento narrativo. O autor Junji Ito é afeito a desafios que podem trazer efeitos poucos explorados no terror e nessa obra o olfato do leitor esteve presente como elemento do enredo. Gyo é um mangá publicado originalmente pela editora Shokakukan e no Brasil pela Editora Devir em março de 2021 no selo adulto Tsuru.
Tadashi estava explorando seus mergulhos no mar da ilha de Okinawa, ao voltar para casa ele não percebe que estava sendo seguido até que a sua namorada Kaori sente um cheiro insuportável de peixe. A partir daí o casal se vê importunados por um peixe que chegou lá andando com suas pernas mecânicas. Isso é só o início de uma história que vai tendo um horror crescente a ponto de afetar toda a cidade de Tóquio.
Para quem teve a impressão de que o enredo é tão surreal que não chama atenção, saiba que o terror não é um gênero que nos conquista pela veracidade mas pela sensação que a obra nos causa. O gibi tem todos os elementos do gênero como causar uma sensação de asco, ter protagonistas que sempre tomam a decisão errada, além de causar uma imersão no leitor a ponto de que ele olhe para os lados e fique com medo de haver alguma criatura ao seu redor. Sabe quando você está lendo e sente algo nas pernas e você pensa que a cena do gibi está também acontecendo com você? (É possível que tenha ocorrido comigo, não afirmo e nem nego!)
O traço de Ito é simples no início da história, o pulo do gato está quando ao virar a página e encontramos uma imagem muito detalhada do monstro. Quem já foi numa peixaria lembra bem como é o cheiro do local e quando vemos aquele peixe tão realista não tem como não lembrar do cheiro que o animal exala. O artista utiliza do seu talento de detalhar as cenas nos momentos mais dramáticos e, como eu disse, a coisa só piora. Eu me peguei por diversas vezes torcendo o nariz e a boca tamanho o impacto do quadro. É ali que a gente percebe o quanto aquele perigo é real e a nossa vontade é gritar para os personagens "Parem de conversar e corram daí!"
A mente do autor explora situações tão inusitadas que por diversas vezes eu me perguntei de onde ele tirava aquilo, na verdade essa é uma característica bem presente na sua obra. Antes de ler o quadrinho eu soube que ele utilizou do filme Tubarão como inspiração. Contudo ao aprofundar na história, aquele suspense que nos introduz a narrativa é substituído por uma situação tão terrível que a gente se importa com os personagens torcendo para que eles sobrevivam ainda que a gente passe a notar que essa é uma possibilidade cada vez mais remota.
Não só de terror é feito esse quadrinho, quando o casal busca por respostas sobre os peixes, ele encontra respostas que fazem sentido. A hq a partir daí adentra-se na ficção científica e nos preenche com uma boa explicação de um enredo que aparentemente era tão banal. A própria explicação em si é de revirar o estômago e a vontade é de que teria sido bem melhor se não fizesse sentido algum.
Gyo é um excelente mangá de terror que traz ao leitor sensações fortes de asco e medo. Os desenhos de Junji Ito comprovam que a nona arte foi a melhor escolha de concepção da obra. Se você é um apaixonado ou pesquisa o gênero de terror, a sua vida vai estar incompleta enquanto não conhecer esse autor. Eu desafio alguém a ler essa obra e passar por ela sem ter sentido sensação alguma. Para os leitores mais sensíveis é melhor nem folhear, para os mais corajosos ou que apreciam a sensação de medo, procure o local mais silencioso e aproveite a leitura (ou os sustos).
Ficha técnica:
Editora Original: Shogakukan
Roteiro e desenhos: Junji Ito
Tradução: Arnaldo Oka
Formato: 17 x 24 cm
Estrutura: 408 páginas PB
Acabamento: Brochura com sobrecapa
Preço: R$78,00
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