Coringa - o perigo do fascínio por um psicopata

 


Em 2008 estreava nos cinemas Batman O Cavaleiro das Trevas, mais uma vez o vilão do Homem Morcego foi quem atraiu mais atenções no filme. O ator Heath Ledger interpretou a melhor personificação do Palhaço do Crime e conseguiu ser premiado com o Óscar de Melhor Ator Coadjuvante. O visual e a caracterização geral utilizado pelo Coringa nessa hq é inspirado no filme que foi publicado pela Editora Panini em 2009 e ganhou sua terceira edição em 2019 já pelo adulto da DC, o Black Label. 

Johny Frost é um capanga zé-ninguém como os são aqueles que acompanham os mais terríveis lunáticos de Gotham. Contudo ele é um bandido que trabalha pro Coringa, que acaba de ser libertado do Asilo Arkham. Essa proximidade garante a Frost a segurança e o respeito que ele nunca tivera em vida, ao lado do Palhaço do Crime, ele passa a ser tratado como os amigos dos ídolos da música e do futebol com um diferencial: a presença do Coringa traz consigo uma sequência de mortes inesperadas e aleatórias. 

O roteirista Brian Azzarello conta uma história como se fosse a página de um diário de "como passar um dia ao lado do Coringa". A gente sente a tensão de como é estar ali e vendo uma pessoa matar outras por motivos que só uma mente ensandecida consegue justificar. Assim Se o Batman representa a personificação do superego freudiano, o Coringa é o id, as suas decisões é fruto do que ele está sentindo no momento sem nenhum tipo de filtro moral para castrá-lo. O gibi mostra um vilão que mata quando é traído mas horas depois mata um casal apenas porque ele queria um lugar para deitar, aqui não cabe a idealização do assassino como um ser incompreendido que luta em favor das massas como foi a visão passado pelo filme recente da Warner, o personagem é representado como o vilão desprezível que merece. 

Em meio a isso, quem está a seu lado está a todo tempo assustado sobre a possibilidade do psicopata virar a sua arma e matar alguém a esmo. É inevitável o leitor se perguntar: o que leva alguém a permanecer fiel e próximo a alguém assim? Nós humanos somos seres sociais e portanto dependentes de uma outra pessoa desde a gestação. Uma dependência que vai se transformando passando da necessidade de cuidado e alimentação ao reconhecimento dos pares. Não é a toa que no século XXI todos queremos ser influenciadores, estamos em busca de curtidas, menções, recebidos e visualizações. Cada um de nós atinge isso de maneiras diferentes e Johny Frost conseguiu isso sendo um capanga do Coringa, a falta de um reconhecimento de qualidades que bastam em si, cria a necessidade de um reconhecimento ainda que seja de alguém tão desprovido de sentimentos humanitários. Mas com o passar da história ele vive o dilema se isso compensa o seu risco de vida. 



A obra não tem diálogos empolgantes ou uma trama cheia de reviravoltas, essa é um drama psicológico. Ainda que seja o texto dos diálogos e dos recordatórios o que mais me atrai a atenção numa história em quadrinhos, essa história me ganhou pelas sensações que ela me trouxe, por refletir sobre as motivações dos personagens e por um roteiro inspirado na psicanálise que demonstra o conhecimento do autor na teoria.

Se você ler o quadrinho e não sentir nada disso do que eu escrevi, ainda assim vale a pena a leitura pelos desenhos de Lee Bermejo. A capa do quadrinho é aquele sorriso bizarro que traz um certo asco. As páginas internas segue o mesmo ritmo, o desenhista faz uma arte pintada tão realista que qualquer página viraria fácil um belo quadro de parede. A arte é tão impactante que vale a pena acompanhar a história apenas pelos desenhos (talvez seja por isso que Azzarello optou por pouco texto na maioria das páginas). Além disso, é uma oportunidade de lembrar daquele Coringa criado por Heath Ledger, um ator que infelizmente morreu de forma precoce. Um outro destaque é a caracterização do Crocodilo, sempre achei ridículo aquele negócio de um vilão que é um crocodilo em pé, Bermejo cria o personagem a partir de um homem muito forte que tem a pele tão grossa que lembra um casco, além de ter um rosto deformado, vendo a representação do personagem nesse quadrinho é que a gente nota o quão mal faz cineasta que não lê quadrinhos e que faz adaptação de gibi. 

Não procure em Coringa uma história de origem, o enredo é um convite a conhecer a personalidade desse personagem durante um dia na sua vida. O roteiro é ousado em ter como protagonista um assaltante qualquer e ainda assim acaba deixando o Coringa bem à vista. É uma história que fascina pela seu enfoque e sua narrativa mas ainda que isso o decepcione, os desenhos já merecem a leitura. 



Ficha técnica:

Publicado em: outubro de 2019

Tradutor: Fabiano Denardim e Rodrigo Barros

Editora: Panini
Número de páginas: 136
Formato: Americano (17 x 26 cm)
Colorido/Capa dura

Preço de capa: R$ 35,00



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