Em 1835, Salvador vivia a efervescência de um levante popular que ficou conhecida como a Revolta dos Malês, o movimento foi feito por pretos escravizados que eram muçulmanos recém chegados ao Brasil e que não aceitavam a sua condição de escravos. É nesse contexto histórico que o carioca André Diniz conta a história de Capivara (por favor não o chamem assim, ele não gosta!) que tinha o sonho de um dia ser livre da sua condição de escravo. Esse é um gibi que foi publicado em 2010 pelo selo Galera da Editora Record.
Aproveitando-se da situação de enfrentamento entre os malês e a polícia, Capivara resolve fugir da capital soteropolitana para encontrar uma terra dos sonhos que a sua mãe chamou de Quilombo Orum Aiê. Mesmo não tendo a certeza da existência desse lugar, um pequeno grupo resolveu ir atrás desse sonho junto com Capivara: Sinhana que era a escrava de um escravo que estava juntando dinheiro para comprar a sua alforria; Abul um africano recém escravizado que ainda não aprendera Português e Antero um branco que foi condenado por matar dezenas de pessoas pretas (ele jura de pé junto que é inocente!).
A Revolta dos Malês na verdade é o pano de fundo para os acontecimentos dessa história que se centra na relação entre essas pessoas tão diferentes que têm em comum o sonho em viver numa sociedade livre em que ninguém precisa escravizar pessoas. No decorrer dessa jornada, eles vão se descobrindo e é inevitável que com isso o clima de discordância aumente.
André Diniz aproveita para inserir na história uma introdução ao pensamento filosófico através de Antero, isso possibilita várias reflexões que tocam não apenas os personagens mas também os leitores. Os diálogos profundos são mesclados com as reviravoltas nas relações entre os personagens que deixa o clima tenso com a insegurança sobre o caráter de cada um deles.
O traço de André Diniz tem muita personalidade a ponto de qualquer um bater o olho e já reconhecê-lo. É incrível como ainda que seja um traço grosso, o artista consegue inserir movimento nas cenas e utiliza muito bem o preto e branco para surpreender nos momentos das reviravoltas.
O quadrinho nos traz uma sensação de esperança que nos permite refletir sobre o porquê de a gente não estar correndo atrás da realização de um sonho de uma vida digna. As pessoas pretas escravizadas no século XIX não tinham com quem contar para sair desssa condição que era reconhecida por lei. Só através do enfrentamento e da união de pessoas em mesma condição de exploração e sofrimento é que a escravidão tornou-se insustentável no Brasil. A exploração é um risco que não deixou de existir com o fim da escravidão legal mas que nos últimos anos tem ampliado a sensação de angústia e desespero com a ascensão da extrema direita ao poder e o seu claro projeto de destruição contra qualquer tentativa de meios que deixem pessoas diferentes em igualdade de condição. O Quilombo Orum Ayê conversa com a situação atual e mostra que é possivel sair dessa bolha virtual de discussão em redes sociais e formar grupos reais de resistência para que as pessoas fora da condição de poder que estão em risco tenham um ambiente de força em que há pessoas dispostas a lutar em conjunto por uma vida digna a todos.
O Quilombo Orum Ayê de André Diniz é uma obra de reflexão sobre a existência humana que traz uma linda mensagem de incentivo às pessoas lutarem por uma vida digna. Os personagens são cativantes e o enredo passa a tensão sobre como é difícil conviver com pessoas diferentes ainda que elas tenham o mesmo objetivo. Um excelente quadrinho que vale a apreciação tanto em roteiro quanto em desenhos.
Ficha técnica:
Publicada em abril de 2010
Editora Record
Número de páginas 110
Formato: 16 x 23 cm/ preto e branco/ lombada quadrada/ capa cartão com orelhas
Preço de capa: R$ 32,90
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