Cabeça de Cuia - A Dor que Antecede a Praga

Capa de Cabeça de Cuia - A dor que antecede a praga


Teresina é uma capital que possui várias lendas, dentre elas, a do Cabeça de Cuia é a mais conhecida. O piauiense Ednaldo Carvalho fez uma adaptação dessa lenda em quadrinhos e  alguns acréscimos para a narrativa. A obra foi publicada originalmente em 2011 e apenas agora eu tive a oportunidade de lê-la já que o autor ainda tinha umas unidades e a editora Quinta Capa fez uma campanha no Catarse para a venda do gibi. 

Para quem não é de Teresina, o Cabeça de Cuia é a lenda de um pescador chamado Crispim que ao chegar em casa e ver que só tinha uma sopa de ossos, servida por sua mãe, para comer, ele a mata. Porém, antes de falecer, ela joga uma praga em que ele viraria um monstro que iria vadiar pelo Rio Poty e só voltaria ao normal após comer sete Marias virgens. 

O autor já tinha um enredo de conhecimento público e, na sua adaptação, ele resolve dar uma motivação àquele personagem. No gibi, Crispim sempre fora esteticamente feio e, por isso, era uma pessoa isolada e amargurada. Vale ressaltar que o Poti Velho, bairro que fica localizado próximo aos rios Paranaíba e Poti, foi o primeiro bairro da capital mas o seu desenvolvimento econômico foi muito pequeno em comparação aos bairros de elite da cidade. Nesse cenário onde há pessoas que sobrevivem do mínimo e não são bem recebidas pela "alta sociedade" aproveitam-se da imagem de Crispim para esbravejar o preconceito que elas sofrem no seu dia a dia. Todo o sentimento de desprezo despejado no pescador vai se acumulando, até que um dia ele despeja em alguém mais frágil que ele, a sua mãe. 

O livro possui um narrador onisciente que cita os sentimentos do protagonista e tenta aconselhá-lo. Além disso, o narrador aponta as mazelas do ambiente denunciando as disparidades sociais que mostram o quanto aquelas pessoas são abandonadas e compara com a vida privilegiada dos moradores do outro lado da cidade.


Crispim transformando-se no Cabeça de Cuia


Ednaldo Carvalho tem um traço forte e sujo que se adapta muito bem ao gênero de terror que é a proposta do quadrinho. A narração feita nos relatórios traz um texto tocante e com muita segurança. Contudo, quando a narrativa sai um pouco do terror e o traço fica mais leve e revela uma diferença na qualidade. O desenho fica melhor quanto maior for o desafio da cena, nos momentos em que o desenhista retrata o cotidiano e as cenas são mais claras, o traço não fica tão bom. Um outro aspecto a ser melhorado é a caracterização das mulheres, a sensualidade parece ser um aspecto que o fascina mas falta explorar no desenho outros aspectos da representação da figura feminina, principalmente quando ele mostra nos extras a caracterização das personagens. Um outro fator que prejudica a narrativa é a retratação dos diversos pontos turísticos da cidade, algumas das cenas perde o sentido ao retratar locais distantes ou quando o protagonista destrói o monumento em sua homenagem, a mistura da realidade com a ficção foi um elemento desnecessário.

O Brasil tem uma grande produção voltada ao terror e ultimamente a obra de Lovecraft tem gerado muito fascínio entre leitores, artistas e editoras. Isso acaba deixando de lado a riqueza e o potencial do nosso folclore. Quantas histórias podem ser feitas sobre deuses nórdicos ou condes chupadores de sangue? Ednaldo Carvalho mostra que há um potencial nas lendas que podem ir além da sua representação simples. É possível criar personagens e pensar outras histórias que podem funcionar tão bem quanto a representação de elfos nas florestas. A riqueza criativa brasileira continua escondida e serve no máximo para vender miniaturas para turistas, sendo que poderia servir de inspiração para histórias de horror de escritores talentosos e desenhistas dedicados. Não precisamos recriar mais um Capitão América ou um Justiceiro, o que a gente precisa é explorar a nossa cultura secular que fascina tanta gente e isso não é por acaso. 

Cabeça de Cuia - A Dor que Antecede a Praga é um gibi de Ednaldo Carvalho que adapta em quadrinhos a lenda piauiense. Além da adaptação, o autor insere elementos próprios e faz uma crítica social que enriquecem a lenda. Além disso, ele traz um traço forte que proporciona ótimos efeitos nos momentos de terror da obra. O autor não só revela um potencial como um artista a ser lapidado como deixa de legado que a lenda não precisa se encerrar numa adaptação mas pode servir como uma porta de entrada para várias outras histórias do mesmo gênero. Esse é um quadrinho adulto que funciona bem tanto em texto quanto em imagem.

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A revolta de Crispim com a pouca comida

Ficha técnica:

Publicado: agosto de 2011
Editora: Quinta Capa Quadrinhos
Número de páginas: 98
Formato: 15 x 22cm/lombada quadrada/
                  Preto e branco

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