Essa é a segunda parte do livro A Marcha, uma autobiografia em quadrinhos do falecido senador John Lewis dos Estados Unidos, essa história é contada em três partes e são publicadas pela Editora Nemo, o segundo livro foi lançado em 2019. Essa foi a primeira série em quadrinhos a vencer o National Book Award e mostra o legado do Senador que dedicou a vida pela luta dos direitos civis das pessoas pretas. John Lewis faleceu no dia 17 de julho de 2020 vítima de câncer.
Nessa segunda parte, o Comitê Coordenador Estudantil Não Violento continuava as suas ações pelo direito de pessoas pretas poderem frequentar uma lanchonete ou poder comprar ingresso no cinema, essas e outras situações que eram intoleradas no início dos anos 60 na sociedade segregada (até mesmo por lei em alguns estados) que eram os Estados Unidos. Contudo, o grupo que fazia protestos pacíficos, viria a ver que as reações aos seus protestos iriam muito além de xingamentos, fechar o estabelecimento onde se encontravam ou ser enxargados por água. A situação passou a ganhar requintes crescentes de violência e pessoas brancas não queria apenas impedir que pretos protestassem, eles queriam matar quem estivesse disposto a não se submeter aos seus desmandos. Além da cadeia, o grupo passou por situações em ser trancado com gás venenoso, receber paulada na rua ou ver o templo da sua igreja evangélica ser destruído por tijolos e algumas pessoas ter sido assassinadas ali.
Contudo nada disso inibiu o grupo de fazer protestos pelo país afim de abrir os olhos da população sobre a forma absurda como os negros são tratados. Para levar suas ações a outros estados, o grupo resolveu sair de ônibus. Naquela época, um negro não poderia nem sentar ao lado de um branco no ônibus e só poderia utilizar de banheiros exclusivos para "pessoas de cor". É evidente que John Lewis e seu grupo estavam ali para subverter essa regra injusta, ainda que isso lhe levassem à cadeia.
Foi durante essas viagens que um dos ônibus do grupo foi incendiado em movimento, com o assassinato de pessoas ali dentro e, ainda que todos os protestos fosse sem o uso da violência, ele era responsabilizado pela ação dos assassinos. Quer dizer, ou os negros eram mortos ou eram condenados à cadeia.
Além disso, foi nesse contexto que surgiu a Ku Klux Klan, grupo supremacista branco que pregavam ações de assassinatos aos negros. Com uma situação assim, ficava difícil manter que todos os membros dos estudantes não violentos permanecessem sem se levar pela indignação e estivessem dispotos a apenas a apanhar sem revidar. Com o passar do tempo, pessoas brancas passaram a apoiar o grupo e, em algumas situações, o revide foi inevitável. Um clima de guerra estava no ar e cada vez que a tv mostrava prisões, massacre e assassinatos de protestantes negros, cada vez mais pessoas passavam a ser simpáticas à causa.
Esse segundo livro foi uma leitura difícil, a cada situação de assassinato eu sentia a indignação ao ver aquilo e não poder fazer nada. Ao mesmo tempo, sentia orgulho em ver o quanto aqueles ativistas estavam dispostos a sacrificar a sua vida em prol de um sonho. Para isso, o livro mostra a luta pela aprovação no Congresso de leis pelo direitos civis de pessoas pretas dentre eles o direito ao voto. Essa luta política só foi possível com o diálogo com políticos brancos que temiam o crescimento da indignação do povo com o massacre televisionado que vinha ocorrendo.
A Marcha infelizmente nos lembra que os anos 60 estão logo ali na esquina da nossa casa e em qualquer lugar do Brasil. O sentimento de empatia que ocorreu no Brasil após o assassinato de George Floyd não impediram notícias como "juíza afirma em sentença que réu seguramente integra grupo criminoso em razão de sua raça", "Jovem negro é agredido e ameaçado em shopping no Rio ao tentar trocar relógio", "Homem humilha entregador de comida em condomínio de luxo e imagens da covardia são registradas em vídeo. Agressor diz ainda que trabalhador tem "inveja" dele por causa de sua casa e da cor de sua pele" . Vou citar apenas três exemplos de notícias que ocorreram próximo ao momento em que eu escrevi esse texto.
É por isso, caro leitor branco, se você estiver gostando desse texto, não o envie para uma pessoa negra, indique-o para um outro amigo branco. O racismo foi criado pelos brancos e mantém uma condição de privilégio a eles, ainda que pessoas pretas sem consciência de classe também repita o discurso racista ou da falsa equivalência ou que "a discriminação no Brasil é motivada por classe e não por raça". No Brasil, se você faz parte de uma categoria desfavorecida, a sua cor de pele irá colocá-lo numa situação ainda mais intensa de preconceito. É importante que todas as pessoas enxerguem que o Brasil é um país racista e lute por meios de reparação e que contribua para minimizar a ideia que o negro sempre tem que ser um subalterno.
A Marcha é uma trilogia que nos chama a atenção pela sua importância histórica e pela reflexão do presente. John Lewis e Andrew Aydin entregam um roteiro que não consegue ficar chato e nem repetitivo em momento algum, cada elemento está muito bem inserido e o mal estar da violência vem permeado pela esperança que a ampliação de pessoas pela causa e as soluções políticas geram.
Nate Powell não só tem um traço lindo mas utiliza de vários elementos narrativos que varia do uso do branco e escuro, as páginas de quadro único durante as cenas de impacto, ou coisas simples como o tamanho da fonte dos balões de fala que indica a altura da voz ou o posicionamento do foco da cena, as vezes a fonte é mínima para inficar ao leitor que algo mais importante está ocorrendo distante do personagem quw está falando.
A Marcha Livro 2 amplia o drama iniciado na edição anterior e mantém a excelência dessa biografia que é indicada a qualquer leitor adulto que entenda que a falsa ideia de superioridade branca apenas trouxe males e vergonhas a raça humana e precisa ser conhecida, admitida e repudiada principalmente pelas pessoas brancas que ainda estão na maioria dos postos de poder e cuja indiferença a essa situação apenas possibilita que cada vez mais o racismo permaneça em nossa sociedade.
Leia também:
A Marcha Livro 1 - um instrumento de luta não violento para combater o racismo
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