Viva a Revolução! - o jeito Robert Crumb de debochar das ideologias


Em meio a governo conservadores, o quadrinhista Robert Crump fazia um quadrinho independente fora de qualquer amarra e foi por isso que se tornou um dos grandes nomes do movimento underground. O seu sucesso conseguiu ir além de qualquer tipo de perseguição e influenciou a nona arte de tal forma que até os dias de hoje se vê a nítida influência dele na arte contemporânea. Em 2015, a Editora Veneta publica Viva a Revolução, um compilado de hqs publicadas nos anos 70 em que o autor faz humor da divergência ideológica borbulhante da época.

O livro inicia com um prefácio do editor Rogério de Campos que selecionou o material do livro, nele ele cita o momento histórico na época em que esse material foi publicado e a perseguição que o quadrinhista Robert Crumb sofreu a tal ponto de abandonar a sua vida nos Estados Unidos e passar a morar no interior da França, que é onde ele vive até hoje.

Nessa obra é possível perceber o incômodo que diversas autoridades tiveram na época, com um humor escrachado e sem limites, Crumb não demonstra ter conpromisso com ninguém exceto com o humor. Por isso ninguém fica de fora das suas tiradas que acabam atingindo o leitor de alguma forma.

Por se tratar de uma compilação de histórias, o livro não tem um enredo definido. Eu vou citar alguns dos personagens: a feminista Lenore Goldberg com o seu grupo de mulheres que planejam destruir o patriarcado (personagem de capa do livro); Projunior, o jovem que acredita que será capaz de vencer o Sistema Capitalista e sua namorada adolescente Honeybunch que acredita ser independente por sair da casa dos pais mas passa a viver as custas do namorado; por fim, Frost que é um boneco de neve que quer destruir os capitalistas se os seus amigos conseguirem parar de divergir um do outro.


Esses e outros personagens tecem críticas a diversidade de pensamentos da época e são retratados de forma tão debochada que as críticas foram do tamanho do sucesso. O autor sempre abusa da identificação do corpo feminino, as críticas foram tão intensas que ele se desenha em uma das páginas para explicar a sua proposta mas mantendo o seu estilo irônico. Os negros são vistos de maneira estereotipada, eles são submissos e a sua forma de falar difere dos demais personagens pelo coloquialismo. Crumb bate também na violência policial, na aristocracia, na hipocrisia da família tradicional, no consumismo e nas ideologias capitalista e comunista. Para o autor, ele faz quadrinhos para expressar ideias e não necessariamente aquilo é o seu ponto de vista de como as coisas deveriam ser, ele  aproveita esse espaço para expressar os seus desejos sexuais. Porém, nem toda obra é um deboche, entre uma piada e outra há reflexões pertinentes que traduzem bem a realidade.

Nesse aspecto,  os quadrinhos de Crumb incomoda. A leitura atingiu a mim quando ele ironiza as pessoas que acreditam que a cultura vai mudar o mundo. A sua visão pessimista de futuro é explícita e passa a impressão que ele está dizendo: "Já que tudo vai acabar mal no fim, vamos deixar de levar tudo tão a sério e pelo menos sorrir um pouco". Crumb consegue retirar os excessos das diversas formas de pensar e não se coloca em defesa de nenhuma categoria de forma explícita, assim os opstos são ironizados da mesma forma.

Os desenhos de Robert Crumb são bem detalhados e expressivos, cada quadrinho costuma ter uma riqueza de detalhes, fique atento a qualquer coisa escrita nele por menor que seja, tudo está inserido ali é uma piada a ser aproveitada. Nesse livro, Crumb traz vários estilos diferentes que varia do estilo mais sujo até um traço mais limpo, simples e cheio de linhas retas, demonstrando que a sua fluidez artística.

Viva a Revolução! é um gibi que tem a sua importância por trazer um material que tanto incomodou nos anos 70. Certamente que um artista abordar hoje a temática da mesma forma de Crumb teria uma repulsa bem maior e dificilmente encontraria o mesmo reconhecimento. Crumb é fruto de um tempo de repressão e a sua obra foi um grito de liberdade mesmo que tivesse desagradado a tanta gente. A obra tem elementos datados que hoje servem para instigar debates como racismo, misoginia, estupro, pedofilia e outros. As páginas causam em mim um mal estar mas eu entendo a importância disso no momento em que foi criada de acordo com a mentalidade da época. Crumb trata com escracho assuntos delicados, contudo o que me chateia é saber que, aquilo que Crumb trata como ironia hoje, 50 anos depois, é tratado como verdade de pessoas cujo pensamento não evoluiu.

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Ficha técnica:
Viva a Revolução
Publicado em: outubro de 2015
Editora: Veneta
Número de páginas: 144
Formato: 21 x 27,5 cm/preto e branco/capa dura
Preço de capa: R$ 89,90

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