Ânsia Eterna a adaptação em quadrinhos de um livro de contos realista-naturalista



Em 1903, Júlia Lopes de Almeida escreveu o livro de contos Ânsia Eterna. Em 2018, Verônica Berta adapta em quadrinhos alguns desses contos e lança pela Editora SESI-SP. O livro é um resgaste de uma escritora de sucesso que fez parte da escola realista-naturalista e foi esquecida após a sua morte.

Júlia Lopes de Almeida é contemporânea de Machado de Assis e escreveu vários livros de sucessos num Brasil em que 80% da população era analfabeta e as mulheres precisavam da permissão de um homem para fazer qualquer coisa que não fosse relacionado a atividade doméstica. Júlia Lopes encarou o machismo em vida mas após a sua morte a estrutura patriarcal se impôs. Dificilmente você lerá sobre a autora em algum livro de literatura, porém a sua obra traz uma qualidade narrativa e uma variedade de situações que variam de situações corriqueiras a um horror de uma qualidade além do seu tempo.

Verônica Berta fez um resgaste dessa autora e adapta em quadrinhos alguns dos contos do livro Ânsia Eterna. A quadrinhista transforma o texto numa arte pintada e retrata três dos contos do livro do início século XX.



Berta traz uma proposta com ênfase no aspecto visual e utiliza de vários recursos para isso. Eu destaco a sua habilidade na expressividade dos personagens, a escolha da paleta de cores na configuração de cada página e a forma criativa com que ela utiliza os recordatórios e onomatopéias de uma forma bem integrada a arte.

Porém essa ênfase no aspecto visual acabou interferindo na forma como a conclusão dos contos é apresentada. Em "A Caolha" por exemplo, todo o conto gira em torno da explicação que ocorre ao final, contudo em vez de colocar isso em palavras, a autora preferiu apenas apresentar a reação do personagem, o que acabou deixando de utilizar uma excelente conclusão que há no texto original. Como leitor, eu sou muito apegado ao texto por isso eu acabo não me conectando a uma proposta gráfica tão bem, a falta de um balão ou um reformatório fez falta para mim nos dois últimos contos.

Ânsia Eterna é um livro que resgata uma obra de Júlia Lopes de Almeida que não tem o reconhecimento à altura de sua obra. A literatura brasileira é masculina e branca em sua essência e o resgaste de autores fora desse padrão só enriquece a nossa cultura. Verônica Berta traz uma proposta com ênfase no visual e transmite bem a essência do texto, mesmo que eu não tenha me conectado com a solução que a autora apresenta para concluir os contos, é um material que eu indico a leitura.

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