Batman: Asilo Arkham - uma séria casa em um sério mundo


Batman é um personagem icônico não só por ter 80 anos e por ser o personagem de histórias em quadrinhos que provavelmente tem o maior número de histórias publicadas, mas principalmente pela relevância que algumas delas têm para a nona arte. Batman: Asilo Arkham é uma delas. A história foi publicada originalmente em 1989 mas ela vem constantemente sendo republicada e ainda é possível encontrá-la em livrarias.

O Asilo Arkham é uma clínica psiquiátrica de Gotham para onde os supervilões que o Batman enfrenta vão, já que a maioria deles possui algum transtorno mental. Nessa gibi os detentos tomam posse do sanatório e fazem exigência para não matar os funcionários que eles aprisionaram. O Coringa assume a frente das exigências. Após a policia atender a todas as reivindicações, o Coringa faz a última exigência, que o Batman entre no recinto. Batman vai e é obrigado a ter contato com vários internos para descobrir como foi que aquele motim se iniciou.

É possível perceber algumas das ideias que influenciaram Grant Morrison, o Coringa da obra tem uma obsessão sexual sobre o Batman, numa clara influência da psicanálise freudiana que afirma que o desejo sexual é a grande força motivadora das nossas ações. Além dele, Morrison cita Carl Yung que através da sua teoria psico analítica (que possui a nomeclatura e focos diferentes dos de Freud) procura esclarecer a semelhança do pensamento entre povos diversos a partir dos arquétipos, uma personificação de ideias, assim tanto Batman, quanto o Coringa podem se relacionar a arquétipos assim como alguns dos demais internos dali.

Dave McKean faz os desenhos a partir de aquarelas e todos os detalhes da sua arte, além da beleza das imagens, denotam várias formas de como o desenho pode se conectar a narrativa. De início, o traço é muito realista, após a entrada do Batman no Asilo, o traço inclui o aspecto de insanidade. Se você nunca viu o Coringa e apenas olhou os desenhos, não tem como não perceber o quão transtornado é esse palhaço com um sorriso tão bizarro que não tem como não se amedrontar. O Batman tem uns ombros muito largos e anda um pouco encurvado como se apesar de sua grandeza, ele carrega um pesado fardo consigo.



Você já entrou em um sanatório? Eu lembro de eu muito jovem ir visitar minha tia que tinha esquizofrenia. O prédio ficava próximo onde eu morava em Teresina, um prédio que nos atrai pela beleza de sua estrutura externa. Contudo ao adentrar víamos espaços abertos e arborizados, um aspecto contrário ao que se via nos alojamentos, corredores e quartos escuros e abafados em que é comum a sensação de medo dos olhares daquelas pessoas em tratamento, um medo que se amplia com os preconceitos que a gente carrega sobre elas. Quando eu entrei lá, como aluno de psicologia, eu via que o interno que estava satisfeito em estar ali estava demonstranto um indício de fuga da realidade, já que um hospício não era uma realidade possível de adaptação, tamanha as adversidades que ali havia. Os hospícios foram criados para separar da sociedade todos os que dispertam alguma estranheza e como depósitos humanos eles tendem a se tornar um ambiente deplorável. É por isso que durante décadas o movimento de reforma psiquiátrica reivindica investimento em maneiras bem mais eficazes de tratar os transtornos mentais em vez de lucrar em cima da degradação humana.

Batman: Asilo Arkham tem a intenção de focar na insanidade e no quanto a fronteira entre a razão e a loucura é difícil de ser percebida. Quando eu li esse quadrinho, as imagens me passaram uma sensação de angústia devido a tonalidade escura dos quadros, era como se a qualquer momento alguém estivesse pronto a pular dali. A história muda de foco constantemente e traz consigo o horror de imagens grotescas. Dave McKean utiliza elementos como as fontes das letras, o enquadramento e até mesmo as cores do lado de fora dos quadrinhos, para o artista, tudo era um elemento da narrativa. Isso faz com que essa obra seja uma referência sobre os elementos dos quadrinhos e a sua importância única entre os meios de expressão artística.

Tudo isso enriquece a obra e faz dela um clássico da nona arte. Grant Morrison evita o caminho óbvio do problema-investigação-solução bem típico das histórias de detetive. O autor quis tirar a máscara do grande herói e mostrar que ele sente medo e que o grande detetive também pode ser tão louco quanto seus algozes. O final da obra é condizente com a temática explorada pelo autor e ficaria destoante fazer um encerramento racional numa história que explora a insanidade nas suas mais diversas formas. Não é a toa que essa obra influencia artistas até hoje. Tom King, o atual roteirista da revista do Batman, bebe da premissa do herói humanizado com suas várias falhas e das semelhanças que Batman têm dos seus vilões.

Batman: Asilo Arkham foi escrita para leitores adultos e pode ser lida tanto por leitores amadores quanto por fãs experientes do personagem. Eu indico principalmente àqueles que estudam ou fazem artes visuais. Seja nas características artísticas ou seja por explorar temas tão difíceis de representar, Asilo Arkham é como um vinho envelhecido que deve ser desgustado de tempos em tempos.

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